Curiosão

Sua saúde em risco por mentiras que você nem percebe

Na internet, uma dica de saúde errada pode custar caro, e muitos de nós caímos em armadilhas sem saber.

Em meio a um bombardeio de notícias falsas, fica cada vez mais difícil saber em quem confiar, não é mesmo? Especialmente quando o assunto é a nossa própria saúde, a confusão parece reinar. A cada dia, somos expostos a inúmeras informações, muitas vezes vindas de celebridades e influenciadores.

Então, como podemos desenvolver um filtro para identificar o que é um conselho de saúde confiável? A resposta é um pouco mais complicada do que a gente gostaria que fosse. É preciso ter um olhar crítico e saber exatamente onde e como procurar.

Navegar por esse mar de dados exige mais do que boa vontade, requer ferramentas e um pouco de malícia. Vamos desvendar juntos como se proteger da desinformação e entender por que é tão fácil ser enganado. Prepare-se para fortalecer seu escudo contra as mentiras que circulam por aí.

A primeira regra: Desconfie das redes sociais

Uma pessoa mexendo no celular com ícones de redes sociais flutuando ao redor, ilustrando o fluxo de informações.
As redes sociais são um terreno fértil para a disseminação rápida de conselhos sem qualquer base científica. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

O ponto de partida para se proteger é nunca aceitar de cara uma informação encontrada nas mídias sociais. Muitas vezes, o conteúdo é compartilhado sem nenhuma verificação, apenas pelo apelo emocional que carrega. É fundamental manter um pé atrás antes de acreditar ou, pior, repassar.

Mesmo que o post inclua um link para um site externo, a sua desconfiança deve continuar ativa. O fato de existir um link não garante a credibilidade da fonte, sendo apenas o próximo passo da sua investigação. Agora, a sua missão é analisar quem está por trás daquele endereço da web.

Lembre-se que o ambiente das redes é projetado para o engajamento rápido, não para a precisão científica. Por isso, a responsabilidade de checar os fatos acaba sendo inteiramente sua. Trate cada “dica milagrosa” como um potencial alarme falso.

Quem realmente administra o site que você lê?

Uma pessoa analisando um site em um laptop com uma lupa, simbolizando a investigação da fonte.
Investigar o dono de um site é um passo crucial para validar a informação que você consome. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Quando se trata de saúde, as fontes de informação mais seguras são geralmente bem conhecidas e respeitadas. Pense em grandes organizações globais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que possuem um rigoroso processo de validação. Essas entidades não publicam dados sem uma extensa revisão por especialistas.

Agências governamentais, como o Ministério da Saúde, e instituições acadêmicas, como faculdades de medicina, também são portos seguros. Além delas, organizações profissionais e entidades sem fins lucrativos dedicadas a áreas específicas da saúde costumam oferecer conteúdo confiável. A credibilidade delas depende da precisão das informações que divulgam.

A principal diferença é que essas fontes têm o compromisso com a saúde pública, e não com interesses comerciais. Elas existem para informar e educar, o que as torna muito mais confiáveis do que um blog desconhecido ou um site patrocinado. Fique atento a quem assina o conteúdo que você consome.

Qual é a verdadeira intenção por trás do conteúdo?

Um cifrão sobreposto a uma página de site, questionando se o objetivo é informar ou vender.
Entender o propósito de um site, seja ele informativo ou comercial, revela muito sobre sua confiabilidade. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

É fundamental que você se pergunte qual é o objetivo do site que está acessando. Ele foi criado puramente para informar o público de maneira isenta e educativa? Ou, no fundo, a sua principal missão é tentar vender um produto ou serviço específico?

Muitas vezes, a linha entre informação e publicidade é propositalmente borrada para te convencer de algo. Fique atento se o texto tenta promover a opinião de um único indivíduo ou de um grupo com interesses particulares. A informação de qualidade apresenta diferentes pontos de vista e se baseia em evidências.

Um site confiável geralmente declara sua missão e propósito de forma clara e transparente. Se a página parece mais um anúncio disfarçado de artigo, com chamadas para comprar um suplemento ou agendar uma consulta, é um grande sinal de alerta. A sua saúde não deve ser tratada como uma oportunidade de negócio.

Descubra quem está financiando a informação

Mãos trocando dinheiro em frente a uma tela de computador, simbolizando o financiamento de conteúdo online.
Saber quem paga a conta de um site de saúde pode expor conflitos de interesse perigosos. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Outra pergunta poderosa que você deve fazer é sobre o financiamento do site. A página pertence a uma empresa com fins lucrativos? A resposta para essa pergunta pode revelar muitos interesses ocultos.

Se a resposta for sim, a próxima etapa é investigar se essa mesma empresa vende produtos relacionados às informações de saúde que publica. Por exemplo, um site que fala maravilhas sobre um novo tipo de vitamina e, coincidentemente, vende essa mesma vitamina. Isso não parece um pouco suspeito para você?

Esse tipo de situação cria um claro conflito de interesses e deve ser visto como um grande sinal de alerta. A informação pode ser tendenciosa para impulsionar as vendas, em vez de priorizar o seu bem-estar. A transparência sobre o financiamento é um pilar da credibilidade jornalística e científica.

Verifique quem escreve e quem revisa o conteúdo

Uma equipe de médicos e cientistas em um laboratório, representando a revisão de conteúdo por especialistas.
Conteúdo de saúde de qualidade é sempre criado e validado por verdadeiros especialistas na área. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Não basta saber quem é o dono do site; é igualmente importante saber quem são as pessoas que produzem e aprovam o conteúdo. Tente descobrir mais sobre o conselho editorial da página, se ele existir. Os membros são profissionais de saúde qualificados e reconhecidos?

Um portal de saúde sério faz questão de exibir as credenciais de seus autores e revisores. Procure por médicos, pesquisadores e outros especialistas com formação na área sobre a qual estão escrevendo. A ausência dessas informações é um péssimo sinal.

Além disso, investigue como funciona o processo de revisão do conteúdo publicado. As informações são checadas por um comitê de especialistas antes de irem ao ar? Essa camada extra de verificação é o que separa um conselho confiável de uma opinião sem fundamento.

A informação é recente e baseada em fontes sólidas?

Um calendário e uma pilha de livros científicos, representando a importância de informações atualizadas e bem referenciadas.
Na ciência, o que era verdade ontem pode não ser hoje, por isso a data da informação é vital. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

O campo da saúde está em constante evolução, com novas descobertas surgindo a todo momento. Por isso, é crucial verificar se as publicações que você lê estão atualizadas ou se foram revisadas recentemente. Uma informação de cinco anos atrás pode já estar completamente obsoleta.

Além da data, observe se o texto fornece links para suas fontes originais. Artigos de qualidade costumam citar estudos científicos, pesquisas médicas e publicações de periódicos renomados. A ausência de referências é um forte indicativo de que o conteúdo pode ser apenas especulativo.

Esses links para fontes externas permitem que você mesmo verifique a origem da informação. É um sinal de transparência e confiança no próprio conteúdo. Não tenha medo de seguir esses rastros e aprofundar sua pesquisa.

Use a técnica da “leitura lateral” para checar fatos

Várias abas de navegador abertas, ilustrando a prática de comparar diferentes fontes de informação.
A leitura lateral é uma poderosa arma contra a desinformação, ensinando a não confiar na primeira fonte. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Você já ouviu falar em leitura lateral? É uma ferramenta incrivelmente útil que pode te ajudar a determinar se uma informação é precisa. A técnica é simples, mas muito eficaz.

Em vez de analisar apenas o site em que você está, a leitura lateral consiste em abrir outras abas no seu navegador. O objetivo é procurar por outras fontes online que confirmem ou desmintam a informação que você acabou de ler. É como pedir uma segunda, terceira e quarta opinião.

Se diversas fontes confiáveis e independentes corroboram a mesma informação, a chance de ela ser verdadeira aumenta consideravelmente. Por outro lado, se você não encontra menção em nenhum outro lugar ou só a vê em sites duvidosos, é melhor descartá-la. Essa checagem cruzada é essencial para formar uma visão crítica.

Por que é tão difícil identificar informações de saúde confiáveis?

Uma pessoa com um ponto de interrogação sobre a cabeça, confusa diante de várias opções de informação de saúde.
A avalanche de informações e nossos próprios vieses psicológicos tornam a tarefa de filtrar a verdade um grande desafio. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Existem diversas razões que explicam por que tantos de nós acabamos caindo em ciladas de desinformação sobre saúde. Não é apenas uma questão de falta de atenção, mas envolve fatores psicológicos complexos. Vamos mergulhar um pouco mais fundo para entender por que isso acontece com tanta frequência.

O volume de conteúdo é esmagador, e a velocidade com que ele se espalha é vertiginosa. Em meio a essa confusão, nosso cérebro procura por atalhos para tomar decisões, e nem sempre esses atalhos nos levam ao caminho certo. A desinformação muitas vezes é projetada para ser mais atraente e simples do que a verdade científica.

Entender essas armadilhas mentais é o primeiro passo para conseguir se desvencilhar delas. Ao conhecer os mecanismos que nos tornam vulneráveis, podemos criar defesas mais eficazes. A jornada para se tornar um consumidor de informação mais crítico começa com o autoconhecimento.

Resultados alarmantes de uma pesquisa nos EUA

Gráfico de pizza mostrando estatísticas de uma pesquisa, com a bandeira dos EUA ao fundo.
As pesquisas revelam um padrão preocupante de como as pessoas buscam e confiam em informações sobre saúde. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Para ter uma ideia da dimensão do problema, basta olhar para os dados de uma pesquisa recente. Em 2024, a Healthline e a YouGov realizaram um levantamento sobre a saúde do consumidor nos Estados Unidos. O estudo investigou de onde as pessoas estavam obtendo suas informações de saúde.

Mais de 4 mil pessoas de diferentes partes dos EUA participaram, oferecendo um panorama bastante abrangente. Os resultados foram, no mínimo, preocupantes para os especialistas. Eles mostram uma clara tendência de buscar conselhos em locais pouco confiáveis.

Essa pesquisa acendeu um alerta sobre a necessidade urgente de educar o público sobre literacia em saúde. A facilidade de acesso à informação não se traduziu em um público mais bem informado. Pelo contrário, parece ter ampliado o alcance da desinformação.

A surpreendente fonte de informação da maioria

Ícones de redes sociais, família e amigos conectados, representando as principais fontes de informação de saúde para muitos.
Amigos e familiares podem ser uma ótima rede de apoio, mas raramente são a melhor fonte de conselhos médicos. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Os dados da pesquisa revelaram que mais de 50% dos participantes admitiram obter informações sobre saúde diretamente das redes sociais. Esse número é espantoso e mostra o poder que essas plataformas exercem sobre nossas decisões. O feed do Instagram ou do TikTok se tornou uma fonte primária de conselhos médicos para muitos.

Além disso, pouco mais de 30% dos entrevistados disseram que confiavam em amigos, familiares e colegas de trabalho para obter orientação sobre saúde. Embora a intenção dessas pessoas seja boa, raramente elas possuem o conhecimento técnico para dar um conselho seguro. Essa confiança pode levar a decisões perigosas e equivocadas.

Isso demonstra que a conveniência e a familiaridade muitas vezes vencem a busca por fontes especializadas. É mais fácil perguntar a um amigo ou rolar o feed do que marcar uma consulta ou pesquisar em um portal científico. Essa comodidade, no entanto, pode ter um preço muito alto para a nossa saúde.

A febre das “trends” de saúde do TikTok

Uma pessoa gravando um vídeo para redes sociais sobre uma tendência de saúde, como um chá
As tendências virais de saúde prometem resultados rápidos, mas raramente têm comprovação e podem ser prejudiciais. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

A pesquisa descobriu um fato ainda mais curioso sobre o comportamento dos americanos nas redes. Cerca de 52% deles já experimentaram uma tendência, ferramenta ou abordagem de saúde que viram nas mídias sociais. Pense naqueles desafios de “detox” ou dietas mirabolantes que viralizam.

O mais irônico é que, apesar de aderirem a essas modas, a maioria dos participantes tinha uma visão negativa sobre elas. Isso sugere que a curiosidade ou a pressão social muitas vezes falam mais alto que o ceticismo. As pessoas experimentam primeiro e questionam a validade depois.

Essa dinâmica mostra o poder de sedução das “trends”, que prometem soluções fáceis e rápidas para problemas complexos de saúde. A realidade, no entanto, é que não existem atalhos mágicos para o bem-estar. A busca por soluções instantâneas é um prato cheio para a desinformação.

O cenário preocupante no Reino Unido

A bandeira do Reino Unido com um sinal de alerta sobreposto, indicando problemas com desinformação.
A disseminação de informações falsas nas redes sociais é um fenômeno global, como mostram dados do Reino Unido. (Fonte da Imagem: Getty Images)

E não pense que esse é um problema exclusivo dos Estados Unidos, pois a situação é bastante similar em outras partes do mundo. No Reino Unido, uma pesquisa conduzida pelo The Alan Turing Institute em 2024 trouxe dados igualmente impressionantes. O estudo revelou que a desinformação online é uma experiência quase universal.

Os resultados mostraram que impressionantes 94% dos participantes já haviam se deparado com informações falsas circulando nas redes sociais. Esse número massivo indica que escapar das fake news é praticamente impossível no ambiente digital atual. A desinformação sobre saúde, claro, está incluída nesse pacote.

Isso reforça a ideia de que a luta contra a desinformação é um desafio global. As plataformas digitais conectaram o mundo, mas também criaram uma via expressa para a propagação de mentiras. A necessidade de desenvolver um pensamento crítico nunca foi tão urgente.

Raízes de atitude: O que são e como nos afetam?

Uma ilustração da cabeça de uma pessoa com engrenagens e raízes, simbolizando crenças e pensamentos profundos.
Nossas crenças mais profundas, chamadas de “raízes de atitude”, podem nos tornar vulneráveis à desinformação. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Uma das principais razões pelas quais caímos em desinformação sobre saúde tem um nome: raízes de atitude. Este conceito foi explicado por Dawn Holford, PhD e pesquisadora da Escola de Ciências Psicológicas da Universidade de Bristol, no Reino Unido. Elas são a base de como interpretamos o mundo ao nosso redor.

Essas raízes são, na verdade, parte fundamental da nossa psicologia e podem se manifestar de várias formas. Elas incluem nossas crenças mais arraigadas, visões de mundo e até mesmo nossas emoções mais primárias. Basicamente, são os motivadores silenciosos por trás de como processamos as informações que recebemos.

Entender a existência dessas raízes é crucial para perceber por que certas mentiras parecem tão convincentes para nós. Elas agem como um filtro invisível, moldando nossa percepção da realidade. E, como veremos, a desinformação é mestre em explorar esses filtros a seu favor.

Uma explicação psicológica profunda

Uma pessoa sentada em um divã de terapia, representando a análise da psicologia por trás das crenças.
As raízes de atitude são como o sistema operacional da nossa mente, influenciando como reagimos a novas informações. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

“As raízes da atitude fazem parte da nossa psicologia e podem ser crenças, visões de mundo, emoções”, explica a Dra. Holford. Ela as descreve como os principais motores de como processamos as informações que encontramos no dia a dia. São elas que nos guiam, muitas vezes de forma inconsciente.

Essas crenças e ideias sobre o mundo são formadas desde a nossa infância e consolidadas ao longo da vida. Elas são o resultado de nossas experiências, educação e do ambiente em que vivemos. Funcionam como um mapa mental que usamos para navegar pela complexidade da vida.

Quando nos deparamos com algo novo, recorremos a esse mapa para tentar entendê-lo. Se a nova informação se encaixa no que já acreditamos, a aceitamos com mais facilidade. O problema começa quando nosso mapa interno está desalinhado com a realidade factual.

Como o medo e a ansiedade entram na equação

Uma pessoa ansiosa olhando para um resultado de exame médico, ilustrando como o medo pode afetar o julgamento.
O medo de procedimentos médicos ou diagnósticos pode nos levar a buscar informações que validem nossas ansiedades. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

As raízes de atitude podem se manifestar de maneiras muito concretas, especialmente através da ansiedade. Sentimos medo de coisas que não entendemos completamente ou que, de alguma forma, nos parecem ameaçadoras. Um exame médico invasivo ou a ideia de tomar vacinas são exemplos perfeitos disso.

Esse medo pré-existente cria uma abertura para que a desinformação encontre um terreno fértil em nossa mente. Se já temos receio de agulhas, uma notícia falsa sobre os perigos das vacinas parecerá muito mais plausível. Ela simplesmente confirma uma emoção que já estava lá.

É uma forma de nosso cérebro tentar justificar nossos sentimentos e encontrar uma lógica para eles. A desinformação, nesse caso, oferece uma narrativa “coerente” para a nossa ansiedade. E é por isso que se torna tão difícil de ser combatida apenas com fatos e dados.

O perigoso exemplo das vacinas

Seringas de vacina com sinais de proibido, representando a hesitação e o medo em relação à vacinação.
O debate sobre vacinas é um campo de batalha onde as raízes de atitude e a desinformação colidem. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Usando o tema das vacinas como um caso de estudo, a Dra. Holford conseguiu identificar 11 raízes de atitude distintas em uma de suas pesquisas. Isso mostra como o mesmo assunto pode ativar diferentes gatilhos psicológicos em cada pessoa. Não existe uma única razão para a hesitação vacinal.

Essas raízes incluem desde medos sobre reações adversas e efeitos colaterais até preocupações de natureza religiosa. Algumas pessoas podem ter crenças que entram em conflito com intervenções médicas modernas. Outras podem simplesmente ter uma tendência a resistir a qualquer tipo de ordem ou recomendação de autoridades.

Esse traço de personalidade, conhecido tecnicamente como “reatância”, faz com que a pessoa se oponha a ser mandada fazer algo. Para alguém com essa característica, uma campanha de vacinação obrigatória pode gerar o efeito contrário. A pessoa se recusa a se vacinar não pela vacina em si, mas como um ato de rebeldia.

Quando a desinformação se alinha com nossas crenças

Duas peças de quebra-cabeça se encaixando, uma com um cérebro e outra com um ícone de 'fake news'.
A desinformação é mais eficaz quando ela se encaixa perfeitamente em uma crença que já possuímos. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

A Dra. Holford explica como nos tornamos presas fáceis da desinformação por causa dessas raízes de atitude. “Quando uma (des)informação nos é apresentada e ela se alinha com nossa raiz de atitude, temos mais probabilidade de aceitá-la”, afirma. A informação simplesmente parece “certa” porque reforça uma motivação que já existia.

Esse é um comportamento humano bastante comum e que vai além do tema da saúde. As pessoas, em geral, tendem a buscar, interpretar e lembrar de informações de uma maneira que confirma suas crenças ou hipóteses preexistentes. É um atalho mental para evitar o desconforto de estar errado.

Essa busca seletiva por evidências é um dos maiores desafios no combate às notícias falsas. Não adianta apenas apresentar fatos, é preciso entender e abordar a motivação subjacente que leva a pessoa a acreditar na mentira. A batalha é tanto emocional quanto racional.

O poder do viés de confirmação

Uma pessoa dentro de uma bolha, vendo apenas informações que confirmam suas próprias visões de mundo.
O viés de confirmação nos aprisiona em uma bolha de informações que apenas reforçam o que já pensamos. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

A ansiedade de ir ao médico ou o medo de passar por um procedimento podem nos levar a um comportamento perigoso. Começamos a procurar ativamente por informações que validem nossos medos e justifiquem nossa hesitação. Queremos encontrar algo que nos diga que estamos certos em nos sentir assim.

Essa busca deliberada por suporte para nossas crenças é conhecida na psicologia como viés de confirmação. Ignoramos as evidências que contradizem o que pensamos e damos um peso desproporcional àquelas que concordam conosco. Fazemos isso independentemente de a informação ser confiável ou não.

O viés de confirmação é um dos maiores aliados da desinformação. Os algoritmos das redes sociais, inclusive, são projetados para nos alimentar com mais do mesmo, reforçando ainda mais nossas bolhas informacionais. Quebrar esse ciclo exige um esforço consciente para buscar perspectivas diferentes.

As raízes de atitude não são boas nem más

Uma balança equilibrando o bem e o mal, mostrando que as raízes de atitude são neutras por natureza.
Nossos motivadores internos não são vilões, mas a interação deles com informações falsas pode ser problemática. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

É importante ressaltar que as raízes de atitude não são inerentemente boas ou más, como explica a Dra. Holford. Elas são simplesmente os nossos motivadores internos, moldados por nossas experiências de vida e padrões de pensamento. Todos nós as temos, e elas são parte do que nos torna humanos.

O problema não está nas raízes em si, mas na forma como elas interagem com o ambiente de informação atual. É nessa interação que pode surgir a crença em desinformação. Uma mesma raiz de atitude, como o desejo por um estilo de vida mais “natural”, pode levar a hábitos saudáveis ou à rejeição de tratamentos médicos essenciais.

Portanto, o objetivo não é eliminar essas raízes, o que seria impossível. O desafio é desenvolver a consciência sobre elas e aprender a questionar quando elas podem estar nos levando a conclusões equivocadas. A chave é o equilíbrio entre seguir nossas intuições e analisar criticamente as evidências.

Quem é mais vulnerável à desinformação de saúde?

Uma pessoa sendo puxada por cordas de marionete com o rótulo 'fake news', simbolizando a vulnerabilidade.
Certas características psicológicas podem tornar algumas pessoas um alvo mais fácil para a desinformação. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Como já mencionamos, a informação que se alinha perfeitamente com a ideologia de alguém é a mais perigosa. Isso acontece porque a pessoa baixa a guarda e aceita o conteúdo sem o devido escrutínio. A emoção da confirmação supera a necessidade de verificação racional.

Além disso, existem certos traços psicológicos que podem tornar um indivíduo mais vulnerável a esse tipo de manipulação. Pessoas com pensamento mais rígido, baixa tolerância à incerteza ou alta necessidade de controle podem ser mais suscetíveis. Elas buscam respostas simples e definitivas, algo que a desinformação oferece com maestria.

A ciência, por outro lado, é cheia de nuances, probabilidades e incertezas, o que pode ser desconfortável para esses perfis. A desinformação se aproveita desse desconforto, apresentando “verdades” absolutas e fáceis de digerir. Reconhecer esses traços em si mesmo é um passo importante para se proteger.

Quem é menos suscetível à desinformação sobre saúde?

Uma pessoa com a mente aberta, de onde saem balões coloridos, representando a disposição a novas ideias.
A flexibilidade mental é um dos principais antídotos contra o veneno da desinformação. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Por outro lado, existem também características que funcionam como um escudo protetor contra a desinformação. A Dra. Holford destaca uma em particular, a disposição de uma pessoa para considerar diferentes perspectivas e evidências. Essa qualidade é conhecida no meio acadêmico como “pensamento ativamente aberto”.

Pessoas com essa mentalidade não se apegam dogmaticamente às suas próprias crenças. Elas estão dispostas a ouvir o outro lado, a analisar novas evidências e, se necessário, a mudar de opinião. Essa flexibilidade cognitiva as torna muito menos suscetíveis a cair em narrativas falsas.

Cultivar um pensamento ativamente aberto é uma habilidade que pode ser desenvolvida. Envolve praticar a humildade intelectual e buscar ativamente pontos de vista que desafiem os seus. É um exercício de sair da zona de conforto que fortalece imensamente nossa capacidade de discernimento.

A importância de não se importar com tudo

Uma pessoa meditando tranquilamente enquanto informações caóticas passam ao seu redor, mostrando desapego.
Às vezes, a melhor defesa é simplesmente não ter uma opinião forte sobre um assunto que não dominamos. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

A Dra. Holford oferece um exemplo bastante prático e curioso de como podemos ser menos suscetíveis. “Podemos ser menos suscetíveis a uma narrativa de desinformação que influencia o amor de alguém por todas as coisas naturais se, na verdade, não nos importarmos muito com isso”, exemplificou. A indiferença, nesse caso, é uma forma de proteção.

Se uma pessoa não tem uma forte raiz de atitude ligada ao “naturalismo”, uma notícia falsa que apela para esse valor simplesmente não terá ressonância. A informação não encontrará um gancho emocional para se prender. Ela passará batido, sem gerar grande impacto ou interesse.

Isso nos ensina uma lição valiosa sobre a importância de reconhecer os limites do nosso conhecimento. Não precisamos ter uma opinião formada sobre todos os assuntos. Às vezes, a resposta mais sábia é admitir que não sabemos o suficiente para julgar, o que nos protege de sermos manipulados.

O ceticismo em relação às fontes oficiais

Uma pessoa olhando com desconfiança para um prédio governamental, simbolizando a falta de confiança nas autoridades.
Experiências negativas com o sistema de saúde podem gerar uma desconfiança que abre portas para a desinformação. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

É inegável que algumas pessoas desconfiam de informações de saúde vindas de fontes oficiais, e muitas vezes com razão. Essa desconfiança não surge do nada, mas é frequentemente fruto de experiências passadas. Para alguns, o sistema que deveria cuidar acabou por falhar ou discriminar.

Por exemplo, indivíduos que sofreram discriminação de qualquer tipo ao receber tratamento médico podem carregar essa mágoa. Seja por sua raça, gênero, orientação sexual ou condição social, uma experiência negativa pode quebrar a confiança de forma duradoura. Essa ferida abre espaço para narrativas alternativas que prometem um tratamento mais “justo”.

Reconhecer a legitimidade dessas queixas é fundamental para reconstruir a confiança. Não se pode simplesmente rotular todo cético como um “negacionista”. É preciso ouvir suas histórias e entender a origem de sua desconfiança para, então, tentar restabelecer um diálogo produtivo.

As intervenções de “jiu-jitsu” contra a mentira

Duas pessoas praticando jiu-jitsu, uma usando a força da outra para se defender, como uma metáfora de combate à desinformação.
A estratégia do “jiu-jitsu” busca usar a própria lógica da desinformação para neutralizá-la. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Diante desse cenário complexo, a Dra. Holford e seus colegas têm trabalhado em uma estratégia inovadora para combater a desinformação. Eles a batizaram de intervenções de “jiu-jitsu”. A ideia central é bastante inteligente e contraintuitiva.

Em vez de confrontar a desinformação de frente, com uma avalanche de fatos, a abordagem busca “usar a desinformação contra si mesma”. É uma tática que visa desarmar as narrativas falsas, aproveitando suas próprias características. A estratégia foca mais na prevenção e na refutação inteligente do que no ataque direto.

Essa abordagem representa uma mudança de paradigma no combate às fake news. Ela reconhece que a simples verificação de fatos (fact-checking), embora importante, muitas vezes não é suficiente para mudar a mente das pessoas. É preciso ir mais fundo e trabalhar com a psicologia da crença.

A origem inteligente do nome

Lutadores de jiu-jitsu em uma posição de alavanca, demonstrando o princípio de usar a força do oponente.
Assim como na arte marcial, a estratégia usa alavancagem em vez de força bruta para vencer o adversário. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

O nome da estratégia não foi escolhido por acaso, pois ele deriva diretamente da famosa arte marcial brasileira. O jiu-jitsu é conhecido por sua filosofia de usar a alavancagem e a força do oponente a seu favor. É uma arte de defesa, não de ataque frontal.

Em vez de tentar superar o adversário com força bruta, o lutador de jiu-jitsu redireciona o movimento e a energia do oponente. Essa mesma lógica é aplicada ao combate à desinformação. A ideia é redirecionar a curiosidade e o ceticismo das pessoas para o caminho certo.

Essa metáfora é poderosa porque ilustra perfeitamente a sutileza da abordagem. Não se trata de uma briga, mas de uma técnica refinada para neutralizar uma ameaça. É uma forma de “vacinar” a mente contra futuras tentativas de manipulação.

Como as intervenções de “jiu-jitsu” funcionam na prática

Uma pessoa ensinando outra a identificar as táticas de desinformação em um texto, como um treinamento.
Na prática, a intervenção capacita as pessoas a se tornarem detetives de notícias falsas. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Mas como essa estratégia se parece no mundo real, fora do tatame? A Dra. Holford explica o processo de forma clara. “Nossas intervenções analisam quais são as características da desinformação, o que a torna confiável e o que torna as pessoas suscetíveis a ela”, detalha.

Com base nessa análise, eles desenvolvem ferramentas e treinamentos. O objetivo é aprimorar as habilidades das pessoas para que elas possam se defender sozinhas. A ideia é empoderar o indivíduo para que ele se torne seu próprio checador de fatos.

Em vez de apenas dar o peixe, a estratégia ensina a pescar. Ela capacita as pessoas a identificarem as táticas de manipulação por conta própria, tornando-as mais resilientes. É uma abordagem de longo prazo que visa criar uma sociedade mais crítica e informada.

Dois tipos de intervenções de “jiu-jitsu”

Dois caminhos se bifurcando, um com o ícone de uma vacina (inoculação) e outro com um coração (empatia).
As duas abordagens, inoculação e refutação empática, se complementam para um combate mais eficaz. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

Dentro dessa grande estratégia, existem dois tipos principais de intervenções. Uma delas é a inoculação psicológica contra a desinformação. A outra é a refutação empática da desinformação.

Ambas as abordagens partem do mesmo princípio do jiu-jitsu, mas atuam em momentos e com públicos diferentes. A inoculação é uma medida preventiva, como uma vacina para a mente. A refutação empática é um método de tratamento, para quando a pessoa já foi “infectada” pela desinformação.

Juntas, elas formam um sistema completo de defesa e contra-ataque. Uma prepara o terreno para que a mentira não floresça, enquanto a outra ajuda a remover as ervas daninhas que já cresceram. É uma combinação poderosa de prevenção e remediação.

A vacina da mente: Inoculação psicológica

Uma seringa injetando conhecimento no cérebro, simbolizando a inoculação de habilidades críticas.
A inoculação psicológica funciona expondo as pessoas a doses controladas de desinformação para criar resistência. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

A inoculação psicológica é um conceito fascinante que consiste em explicar às pessoas como as táticas de desinformação funcionam. É como mostrar os truques de um mágico antes do espetáculo. Uma vez que você conhece o segredo, a ilusão perde o seu poder.

Ao expor as pessoas a pequenas e enfraquecidas doses de manipulação, elas começam a entender a complexidade das táticas usadas. Elas aprendem a identificar apelos emocionais, falsos especialistas e o uso de dados fora de contexto. Essa conscientização cria uma espécie de anticorpo mental.

Estar ciente dessas estratégias pode ajudar a proteger as pessoas de futuras tentativas de enganação. Quando elas se deparam com uma notícia falsa, o cérebro já reconhece o padrão e aciona um alarme. É uma forma proativa de construir imunidade contra a mentira.

A cura pela conversa: Refutação empática

Duas pessoas conversando de forma calma e compreensiva, mostrando a importância da empatia no diálogo.
A refutação empática busca entender as razões por trás da crença para então corrigi-la de forma respeitosa. (Fonte da Imagem: Shutterstock)

A segunda técnica, a refutação empática, é usada para dialogar com quem já acredita na desinformação. A chave aqui é mostrar empatia e considerar as raízes de atitude da pessoa. É preciso primeiro validar seus sentimentos e preocupações antes de apresentar os fatos.

Ao abordar a pessoa com respeito e compreensão, em vez de julgamento, ela se torna mais aberta a ouvir. Um diálogo que começa com “eu entendo por que você se sente assim” tem muito mais chance de sucesso. A empatia quebra as barreiras defensivas e cria uma ponte para a conversa.

Somente depois de estabelecer essa conexão é que se pode gentilmente corrigir a informação errada. Essa abordagem aumenta a probabilidade de a pessoa aceitar que a (des)informação estava, de fato, incorreta. É uma forma de corrigir sem humilhar, tratando a pessoa como uma vítima da desinformação, e não como uma cúmplice.

Tyler James Mitchell
  • Tyler James Mitchell é o jornalista e autor por trás do blog Curiosão, apaixonado por desvendar temas de história e ciência. Sua missão é transformar o conhecimento complexo em narrativas acessíveis e fascinantes para o público.