Curiosão

Cannabis e fé a surpreendente verdade sobre a maconha sagrada

Da condenação ao sagrado, a jornada da cannabis pelas religiões do mundo vai te surpreender.

Você sabia que a humanidade tem uma relação com a maconha que atravessa milênios, seja comendo, bebendo ou fumando? Essa planta milenar e seus efeitos psicoativos sempre chamaram a atenção das mais diversas religiões ao redor do globo. Algumas a adotaram como um sacramento divino, enquanto outras a condenaram firmemente por suas propriedades alteradoras da consciência.

O principal componente que todo mundo conhece é o THC, responsável pelos efeitos recreativos que muitos buscam. No entanto, a cannabis esconde um universo de outros benefícios potenciais, especialmente quando falamos de suas poderosas propriedades analgésicas. Essa dualidade entre o prazer e o alívio sempre gerou debates acalorados sobre seu verdadeiro papel na sociedade.

Recentemente, o uso medicinal da planta ganhou aprovação em muitos lugares, e até mesmo o consumo recreativo foi descriminalizado em vários países. Mas o que as grandes religiões do mundo realmente pensam sobre tudo isso, e você conhece a religião brasileira que a defende abertamente? Prepare-se para descobrir como a fé e a cannabis se conectam de maneiras que você nunca imaginou.

Judaísmo e a cannabis: Uma conexão de 2.700 anos

Um homem judeu ortodoxo lendo a Torá, representando a tradição da religião.
Símbolos judaicos representam uma fé com raízes milenares, onde a cannabis pode ter tido um papel inesperado. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Mergulhar nas antigas escrituras judaicas, como o Talmud e a Bíblia Hebraica, pode revelar surpresas incríveis para alguns estudiosos. Existem interpretações que sugerem referências diretas à cannabis, mostrando uma relação muito mais antiga do que se pensava. Na verdade, a história confirma que o povo judeu consome maconha há milhares de anos, integrando-a em sua cultura.

A prova mais forte dessa conexão veio à tona em 2020, com uma descoberta arqueológica impressionante. Um estudo encontrou evidências concretas de que antigos israelitas queimavam maconha como parte de seus rituais religiosos. Essa substância foi encontrada em um templo com nada menos que 2.700 anos de idade, localizado em Tel Arad, Israel.

Essa descoberta não apenas chocou o mundo, mas também reescreveu parte do que se sabia sobre as práticas espirituais da época. Fica claro que a planta não era apenas um item de uso casual, mas possuía um significado profundo dentro dos rituais. A presença da cannabis em um local sagrado mostra sua importância para a conexão com o divino naquele período.

A questão moderna: Maconha é considerada kosher?

Uma mão segurando um ramo de maconha, com um fundo de símbolos judaicos, ilustrando o debate sobre ser kosher.
O debate sobre a cannabis ser ou não kosher divide opiniões entre os rabinos até hoje. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A discussão sobre se a maconha é ou não kosher, ou seja, se é permitida pela lei judaica, é um debate quente entre muitos rabinos. As opiniões se dividem, criando um cenário complexo e cheio de nuances para os seguidores da fé. Alguns argumentam que não há problema se a planta for fumada em vez de comida, traçando uma linha tênue nas regras alimentares.

Outros rabinos adotam uma postura mais restritiva, considerando apenas a maconha medicinal como kosher, liberando seu uso somente para fins terapêuticos. Em Israel, o uso recreativo foi descriminalizado em 2019, mas essa liberdade não se aplica a todos e nem a todas as situações. Por outro lado, o uso medicinal da planta é permitido e regulamentado desde a década de 1990.

Essa diferença de visões reflete como tradições milenares se adaptam aos tempos modernos e aos novos conhecimentos científicos. A fronteira entre o permitido e o proibido continua a ser debatida, mostrando a complexidade de aplicar leis antigas a um contexto contemporâneo. O judaísmo, assim, busca equilibrar tradição, saúde e liberdade individual.

Santo Daime: A religião brasileira e o uso da Santa Maria

Membros do Santo Daime reunidos em um ritual, vestidos de branco em um ambiente natural.
O Santo Daime é uma fé que nasceu no coração do Brasil, misturando diversas influências espirituais. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O Santo Daime é uma religião que floresceu em solo brasileiro, sendo considerada relativamente nova no cenário mundial. Sua origem remonta ao início do século XX, fundada por Raimundo Irineu Serra na Amazônia. Essa fé fascinante combina elementos do catolicismo popular com o profundo conhecimento do xamanismo indígena.

Seus seguidores são mundialmente conhecidos por participarem de cerimônias com ayahuasca, uma bebida psicodélica que promove a expansão da consciência. No entanto, o que muitos não sabem é que a cannabis também desempenha um papel importante para alguns de seus membros. A planta é utilizada como uma ferramenta para obter orientação espiritual e aprofundar a jornada interior.

Essa religião sincrética mostra como diferentes tradições podem se unir para criar algo completamente novo e poderoso. A busca pela iluminação no Santo Daime utiliza plantas de poder como pontes para o sagrado. A combinação de fé e natureza é o pilar que sustenta suas práticas e atrai seguidores de todo o mundo.

A cisão interna: Quem realmente usa a cannabis no Daime?

Um close-up de um ramo de cannabis, simbolizando a 'Santa Maria' para os seguidores do Santo Daime.
Conhecida como Santa Maria, a cannabis é um sacramento para uma ala específica do Santo Daime. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Os seguidores do Santo Daime, que são carinhosamente chamados de daimistas, se referem à cannabis pelo nome sagrado de Santa Maria. Contudo, é um erro pensar que todos os praticantes fazem uso da planta em seus rituais. Na verdade, apenas um grupo específico, que se originou de uma cisão, a incorporou como parte de suas cerimônias.

Essa divisão aconteceu na década de 1970, quando um grupo liderado pelo Padrinho Sebastião Mota de Melo se separou da seita principal. Foi essa nova linhagem que passou a defender abertamente o uso da maconha como um sacramento. Para eles, a Santa Maria é uma professora espiritual que auxilia no caminho da autotransformação.

Em contrapartida, a maioria dos daimistas que seguem a linha original de Mestre Irineu não compartilha dessa visão. Para eles, a maconha é considerada uma droga e seu uso não é incentivado dentro dos rituais. Essa diferença de opinião marca uma importante distinção dentro de uma das religiões mais singulares do Brasil.

Budismo e a cannabis: Por que o Dalai Lama a chama de veneno?

Uma estátua de Buda em meditação, com um fundo sereno, representando os princípios do Budismo.
O Budismo prega a clareza mental, um princípio que entra em conflito direto com substâncias intoxicantes. (Fonte da Imagem: Getty Images)

No coração dos ensinamentos budistas estão os Cinco Preceitos, e o quinto é bastante claro sobre o tema. Ele diz: “Abster-se de intoxicantes que turvam a mente”, um princípio que guia a vida de milhões de seguidores. Essa regra visa manter a mente límpida e focada no caminho da iluminação.

O próprio Dalai Lama, uma das figuras mais respeitadas do mundo, já se posicionou de forma contundente sobre o assunto. Em uma entrevista, ele chegou a chamar o uso recreativo da maconha de “veneno”, reforçando a ideia de que ela atrapalha o desenvolvimento espiritual. No entanto, ele fez uma ressalva importante, afirmando que o uso medicinal da planta é aceitável.

Essa distinção entre o uso recreativo e o terapêutico é fundamental para entender a perspectiva budista. A busca pela clareza mental é o objetivo principal, e qualquer substância que a obscureça é vista como um obstáculo. A compaixão, porém, abre espaço para o uso da planta como remédio para aliviar o sofrimento.

Regras nos templos: A proibição para os monges na Tailândia

Monges budistas caminhando em fila, simbolizando a disciplina e as regras da vida monástica.
Mesmo com a descriminalização na Tailândia, os monges budistas enfrentam regras rígidas sobre a cannabis. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A Tailândia surpreendeu o mundo em 2022 ao descriminalizar a cannabis, abrindo um novo capítulo na história do país. Essa mudança legislativa, no entanto, não se aplicou de forma irrestrita a todas as esferas da sociedade. O Escritório Nacional do Budismo agiu rapidamente para estabelecer regras claras para a comunidade monástica.

A instituição proibiu terminantemente que os monges fumem ou cultivem cannabis dentro de seus templos. A disciplina e a clareza mental são pilares da vida monástica, e o uso de intoxicantes é visto como uma quebra desses preceitos. A única exceção a essa regra rígida é quando a planta é utilizada para fins estritamente medicinais.

Essa medida mostra o esforço para preservar a integridade dos ensinamentos budistas em meio a um cenário social em transformação. Mesmo em um país onde a maconha se tornou legal, a vida espiritual segue suas próprias leis. A prioridade continua sendo o caminho da iluminação, livre de qualquer névoa que possa turvar a mente.

Hinduísmo: A planta sagrada do deus Shiva

Uma estátua do deus hindu Shiva, que é frequentemente associado ao consumo de bhang, uma bebida de cannabis.
No Hinduísmo, a maconha não é apenas tolerada, mas celebrada como uma planta sagrada ligada a Shiva. (Fonte da Imagem: Getty Images)

No Hinduísmo, a relação com a maconha é profundamente enraizada e remonta a milênios de história. A própria divindade Shiva, um dos deuses mais importantes do panteão hindu, é conhecida por consumir a planta sagrada. Ele a ingeria na forma de uma bebida especial chamada *bhang*, que é parte integral de festivais e rituais.

Essa tradição é tão forte que a lei indiana sobre drogas possui uma exceção notável e única. A legislação permite que as folhas de maconha sejam vendidas e consumidas legalmente, desde que seja na forma de *bhang*. Isso garante a continuidade de uma prática religiosa que atravessa séculos.

A figura de Shiva como consumidor da planta eleva seu status de mera substância para um sacramento divino. Para muitos devotos, consumir *bhang* é uma forma de se conectar com o deus e alcançar estados elevados de consciência. É uma prova viva de como a religião pode abraçar e santificar o que outras culturas proíbem.

Textos sagrados: A cannabis como presente dos deuses

Um sadhu, ou homem santo hindu, fumando um chilam, um tipo de cachimbo usado para consumir cannabis.
O Atharvaveda, um dos textos mais antigos do Hinduísmo, descreve a cannabis como uma das cinco plantas sagradas. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Ao contrário de muitas outras religiões, onde a menção a substâncias é velada, no Hinduísmo é possível encontrar referências diretas à maconha. Os textos sagrados não apenas a mencionam, mas celebram seu uso e suas propriedades. Isso solidifica a posição da planta como um elemento central em diversas práticas espirituais.

Sendo a terceira maior religião do mundo, o Hinduísmo possui uma longa e rica história com a cannabis. O Atharvaveda, um dos quatro Vedas e um texto religioso fundamental, considera a maconha uma planta santa. Ela é descrita como uma das cinco plantas sagradas da Terra, um presente dos deuses para a humanidade.

Essa visão positiva e sagrada diferencia o Hinduísmo de muitas outras crenças globais. A planta não é vista como um vício ou um perigo, mas como uma fonte de alegria, libertação e conexão espiritual. É um exemplo fascinante de como a percepção de uma substância pode ser moldada pela cultura e pela fé.

Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e a cannabis

O Templo de Salt Lake, um dos locais mais sagrados para a Igreja Mórmon, com um céu azul ao fundo.
A Igreja Mórmon segue um código de saúde rígido que proíbe o uso de várias substâncias, incluindo tabaco. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecida como Igreja Mórmon, tem uma postura bastante clara sobre o uso de substâncias. Eles seguem a Palavra de Sabedoria, um conjunto de leis de saúde que condena o uso de produtos de tabaco. Por extensão, fumar maconha também é considerado uma violação direta desses preceitos sagrados.

A principal preocupação da Igreja em relação a substâncias como a maconha é o seu potencial para levar ao vício. A dependência é vista como algo que aprisiona o espírito e afasta a pessoa do caminho divino. Manter o corpo e a mente livres de influências viciantes é um pilar central da fé mórmon.

Essa proibição reflete um compromisso com a pureza física e espiritual, que são consideradas interligadas. Para os mórmons, o corpo é um templo sagrado, e cuidar dele é uma responsabilidade divina. Portanto, qualquer substância que possa prejudicá-lo ou criar dependência é estritamente evitada.

Uma exceção medicinal: As regras para o uso terapêutico

Um frasco de óleo de CBD e uma folha de cannabis, representando o uso medicinal da planta.
Apesar da proibição recreativa, a Igreja Mórmon abriu uma exceção para o uso medicinal da cannabis, com condições. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Mas e quanto ao uso medicinal da maconha, existe alguma flexibilidade na doutrina mórmon? A resposta é sim, pois a Igreja passou a aceitar seu uso se for prescrito por um médico qualificado. Essa abertura mostra uma adaptação da fé às necessidades de saúde de seus membros.

No entanto, essa permissão vem com condições bem específicas e rigorosas. A maconha não pode ser fumada, o que reforça a proibição contra o ato de fumar presente na Palavra de Sabedoria. O uso recreativo da planta, por sua vez, continua sendo estritamente proibido, sem nenhuma exceção.

Essa postura dupla revela um equilíbrio cuidadoso entre a compaixão e a doutrina. A Igreja reconhece os benefícios terapêuticos que a cannabis pode oferecer, mas mantém-se firme contra o uso que considera prejudicial. É um exemplo de como uma instituição religiosa pode evoluir sem abandonar seus princípios fundamentais.

Zoroastrismo: O bom entorpecente dos textos antigos

O Faravahar, principal símbolo do Zoroastrismo, representando a alma humana e o caminho da retidão.
O Zoroastrismo é uma das religiões monoteístas mais antigas do mundo, com textos que mencionam a cannabis. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O Zoroastrismo é uma religião fascinante e antiga, que precede tanto o Cristianismo quanto o Islamismo em séculos. Seu livro sagrado, o Zend Avesta, contém passagens que mencionam a maconha de forma surpreendentemente positiva. Nos volumes conhecidos como Vendidad, a planta é claramente referenciada.

Nesses textos milenares, a maconha, ou *bhang*, é descrita como um “bom entorpecente”. Essa caracterização sugere que seu uso era não apenas conhecido, mas também valorizado dentro da cultura zoroastriana. A planta era vista como uma ferramenta benéfica, e não como uma substância perigosa.

Essa perspectiva positiva coloca o Zoroastrismo em um grupo seleto de religiões antigas que tinham uma relação harmoniosa com a cannabis. A menção em um texto sagrado indica que seu uso poderia estar ligado a rituais ou práticas espirituais. É mais uma prova de que a visão sobre a maconha varia drasticamente entre diferentes culturas e épocas.

O mistério da Haoma: Uma planta divina seria a cannabis?

Ilustração botânica de plantas antigas, simbolizando a busca pela identidade da planta sagrada Haoma.
A identidade da Haoma, uma planta divina, ainda é um grande debate entre os estudiosos. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O Zend Avesta também faz menção a uma planta divina misteriosa, chamada de *haoma* ou *sauma*. A verdadeira identidade botânica dessa planta sagrada continua sendo um dos grandes enigmas para os estudiosos. As teorias são muitas e o debate acadêmico é intenso até hoje.

Alguns pesquisadores acreditam que a *haoma* seja uma variante da *Ephedra*, enquanto outros sugerem que a referência é a uma planta alucinógena ou a um cogumelo. No entanto, o estudioso B.L. Mukherjee propôs uma teoria ousada e intrigante. Ele sugere que a misteriosa *haoma* poderia ser, na verdade, a própria maconha.

Se essa teoria estiver correta, a cannabis teria um papel ainda mais central e sagrado no Zoroastrismo do que se imaginava. A *haoma* era uma planta de extrema importância ritualística, usada para alcançar a imortalidade e a conexão com o divino. Associá-la à maconha eleva a planta a um patamar de divindade dentro dessa antiga fé.

Islamismo: A proibição histórica do haxixe

Uma mesquita com sua arquitetura islâmica clássica, representando a fé muçulmana.
A história do Islamismo com o haxixe é marcada por um período de uso seguido por uma proibição rigorosa. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A história nos conta que os muçulmanos persas e iraquianos começaram a usar o haxixe por volta do final do século IX. A substância se popularizou em certas regiões, tornando-se parte da cultura local. No entanto, essa aceitação não durou para sempre e logo encontrou forte oposição.

No século XIII, a maré virou quando o sultão mameluco Baibars proibiu oficialmente o uso da substância. Essa proibição foi um marco e estabeleceu um precedente que perdura até hoje em muitas comunidades islâmicas. Desde então, o uso de cannabis é amplamente considerado proibido.

Essa mudança drástica na legislação e na percepção social mostra como as atitudes podem se transformar ao longo do tempo. O que antes era uma prática comum tornou-se um tabu, reforçado por decretos e interpretações religiosas. A proibição do sultão Baibars ecoa até os dias de hoje no mundo islâmico.

Abertura medicinal: Uma permissão com ressalvas

Muçulmanos em oração, demonstrando a devoção e a busca por orientação dentro do Islamismo.
Apesar da proibição recreativa, o uso medicinal da cannabis tem sido discutido e permitido sob condições. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Apesar de o uso recreativo da maconha ser amplamente proibido entre os muçulmanos, o debate sobre seu uso medicinal tem ganhado força. Em 2018, o Conselho Fiqh da América do Norte deu um passo importante ao emitir uma declaração sobre o tema. Eles estabeleceram as condições sob as quais o uso de maconha medicinal seria permitido.

A principal condição é que a substância “não intoxique o usuário quando consumida em grandes quantidades”. Isso significa que o objetivo deve ser estritamente terapêutico, sem buscar o efeito psicoativo. Essa decisão representa uma tentativa de harmonizar a fé com os avanços da medicina moderna.

Essa abertura, ainda que limitada, é um sinal de que a interpretação das leis islâmicas pode ser flexível diante de novas realidades. A preocupação com a saúde e o bem-estar dos fiéis levou a essa reconsideração cuidadosa. É um exemplo de como a religião pode se adaptar para oferecer alívio e compaixão.

O que diz o Alcorão? A interpretação sobre intoxicantes

O Alcorão aberto em uma página, simbolizando a fonte dos ensinamentos e leis islâmicas.
O Alcorão proíbe intoxicantes, uma regra que a maioria dos estudiosos estende para incluir a maconha. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Embora o profeta Maomé não mencione explicitamente a maconha no Alcorão, o livro sagrado do Islã é bastante claro sobre outras substâncias. O uso de vinho e de outros intoxicantes é estritamente proibido, pois eles são vistos como algo que afasta o homem de Deus. Essa proibição geral é um dos pilares da conduta muçulmana.

Com base nesse princípio, a grande maioria dos estudiosos islâmicos estende essa proibição para incluir a cannabis. Como a planta possui propriedades intoxicantes, é seguro assumir que ela também é considerada *haram*, ou seja, proibida. A lógica é que qualquer coisa que altere a mente e o julgamento deve ser evitada.

Essa interpretação tem sido a norma por séculos e molda a atitude de milhões de muçulmanos em todo o mundo. A busca pela sobriedade e clareza mental é vista como essencial para uma vida devota e em conformidade com os ensinamentos divinos. Portanto, a maconha, para a maioria, está fora dos limites do que é permitido.

Xintoísmo e a cannabis: O poder de purificação da Taima

Um portão torii xintoísta em um cenário natural no Japão, simbolizando a entrada para um espaço sagrado.
No Xintoísmo, a religião nativa do Japão, a maconha, ou taima, é usada para purificação e proteção. (Fonte da Imagem: Getty Images)

No Xintoísmo, a religião ancestral do Japão, sacerdotes e seguidores utilizam a maconha em diversos contextos rituais e sagrados. Aqueles que seguem essa fé acreditam que a *taima*, nome dado à cannabis, possui incríveis propriedades purificadoras. Ela é vista como uma ferramenta poderosa para limpar energias negativas.

Além de purificar, a *taima* também é usada com a crença de que pode afastar espíritos malignos. Varas de cânhamo eram tradicionalmente agitadas pelos sacerdotes para criar um espaço sagrado e protegido durante as cerimônias. A planta, portanto, não é apenas um material, mas um verdadeiro escudo espiritual.

Essa visão contrasta fortemente com a imagem negativa da maconha em muitas outras culturas. No Xintoísmo, ela é reverenciada por sua capacidade de limpar e proteger, sendo um elemento essencial em práticas de pureza. É um belo exemplo de como uma planta pode ser integrada de forma positiva e sagrada na espiritualidade de um povo.

Catolicismo e a maconha: Uma ofensa grave ou uso terapêutico?

O interior de uma catedral católica, com vitrais e arquitetura imponente, representando a Igreja Católica.
A Bíblia não fala sobre maconha, mas o Catecismo da Igreja Católica tem uma posição bem definida. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A Bíblia, o livro sagrado dos católicos, não faz nenhuma menção específica à maconha ou ao seu uso. No entanto, o Catecismo da Igreja Católica, que foi aprovado em 1992, preenche essa lacuna com uma orientação bem clara. O parágrafo 2291 aborda diretamente o uso de drogas e suas consequências.

O texto afirma que “o uso de drogas causa danos gravíssimos à saúde e à vida humana”. Essa declaração estabelece uma base forte para a posição da Igreja sobre o assunto. O catecismo vai além e classifica o uso de drogas como “uma ofensa grave”, a menos que seja por motivos estritamente terapêuticos.

Essa distinção entre o uso recreativo e o terapêutico é crucial para entender a visão católica. A Igreja condena o uso que prejudica a saúde e a vida, mas abre uma porta para a compaixão quando se trata de aliviar o sofrimento. A saúde do corpo e da alma é o princípio que guia essa doutrina.

A interpretação teológica: O debate sobre o uso medicinal

O Papa Francisco acenando para uma multidão, como líder da Igreja Católica e influenciador de suas doutrinas.
O debate sobre o que constitui “uso terapêutico” divide teólogos e fiéis católicos. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A brecha para o “uso terapêutico” mencionada no Catecismo gera um intenso debate entre os teólogos católicos. Alguns interpretam essa permissão como algo que inclui a maconha prescrita por um médico para tratar condições de saúde. Essa visão mais progressista busca alinhar a fé com os avanços da medicina.

No entanto, essa interpretação não é universalmente aceita dentro da Igreja Católica, gerando diversas opiniões. Muitos clérigos e teólogos mantêm uma postura mais conservadora, hesitando em endossar o uso de uma substância historicamente controversa. A falta de um consenso claro cria um cenário de incerteza para os fiéis.

O que é universalmente aceito e não gera debates entre os católicos, porém, é a proibição do uso recreativo da maconha. Nessa questão, a Igreja é unânime e firme em sua condenação, considerando-o um pecado. O debate, portanto, se concentra exclusivamente nos limites e na validade do uso medicinal.

Taoismo e a deusa do cânhamo: A protetora Magu

O símbolo do Yin Yang, representando o equilíbrio e a dualidade centrais na filosofia do Taoismo.
O Taoismo, com sua busca pelo equilíbrio, também tem uma conexão surpreendente com a cannabis. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O Taoismo é outra fascinante religião oriental que foi historicamente ligada ao uso da cannabis. Dentro de seu panteão, existe uma divindade chamada Magu, que tem sido diretamente associada à maconha. Ela é tão conectada à planta que é carinhosamente conhecida como a “deusa do cânhamo”.

Essa divindade taoista é uma figura poderosa e multifacetada, considerada a protetora das mulheres. Além disso, Magu é a deusa da nutrição, da cura e da longevidade, atributos que a tornam muito querida. A sua associação com o cânhamo sugere que a planta era vista como uma fonte de saúde e bem-estar.

Essa conexão divina eleva a cannabis a um status sagrado dentro do Taoismo, ligando-a à proteção, cura e vida longa. Mostra como a planta era integrada a uma visão de mundo que busca harmonia e equilíbrio. A deusa Magu personifica as qualidades benéficas que os antigos taoistas viam no cânhamo.

Fé Bahá’í: A proibição de substâncias que induzem torpor

O Santuário do Báb, um local sagrado para a Fé Bahá'í em Haifa, Israel, com seus jardins exuberantes.
A Fé Bahá’í, fundada no século XIX, preza pela clareza mental e proíbe substâncias que a prejudiquem. (Fonte da Imagem: Public Domain)

A Fé Bahá’í é uma religião monoteísta que foi fundada no século XIX por Baháʼu’lláh. Seu livro sagrado, o Kitáb-i-Aqdas, não aborda a maconha de forma específica e direta. No entanto, ele estabelece um princípio geral que guia a postura dos fiéis sobre o assunto.

O livro proíbe “qualquer substância que induza lentidão e torpor” na mente e no corpo. Essa regra ampla é a base para a condenação do uso de drogas e álcool dentro da comunidade Bahá’í. A clareza de pensamento e a vitalidade espiritual são valores centrais que devem ser preservados.

Com base nesse princípio, a maconha, por seus efeitos psicoativos, se enquadra na categoria de substâncias proibidas. A religião incentiva seus seguidores a manterem suas mentes e corpos puros e livres de influências que possam obscurecer o raciocínio. A busca pela verdade e pela conexão com Deus exige uma mente sã e alerta.

As palavras dos sucessores: Uma exceção para a medicina

Um retrato de ʻAbdu'l-Bahá, filho de Baháʼu'lláh e uma figura central na Fé Bahá'í.
Líderes posteriores da Fé Bahá’í reforçaram a proibição, mas abriram espaço para o uso medicinal. (Fonte da Imagem: Public Domain)

‘Abdu’l-Bahá, o filho e sucessor de Baháʼu’lláh, foi ainda mais explícito sobre o tema. Ele afirmou que fumar haxixe interfere diretamente na iluminação espiritual e no relacionamento de uma pessoa com Deus. Suas palavras reforçaram a proibição e deixaram pouca margem para dúvidas.

Shoghi Effendi, neto e sucessor de ʻAbdu’l-Bahá, também seguiu a mesma linha de pensamento. Ele desaconselhou firmemente o uso de produtos de maconha, mantendo a tradição de seus antecessores. No entanto, ele introduziu uma exceção importante que demonstra compaixão e pragmatismo.

Essa exceção é para os casos em que a substância é prescrita por um médico para uso estritamente medicinal. Assim como em outras religiões, a Fé Bahá’í diferencia o uso recreativo, que é condenado, do uso terapêutico, que é permitido. O alívio do sofrimento é um valor que se sobrepõe à proibição geral quando a necessidade é real.

Rastafarianismo: A ganja como sacramento sagrado

Bob Marley, o ícone máximo do Rastafarianismo, sorrindo e representando a cultura rasta.
Se existe uma religião que abraça a maconha, é o Rastafarianismo, onde a planta é um sacramento central. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Se há uma religião no mundo que é sinônimo da maconha, essa religião é o Rastafarianismo. Para os rastas, a planta, conhecida como ganja, é muito mais do que uma simples erva. Ela é um sacramento sagrado, uma ferramenta para a meditação e uma ponte para o divino.

Os rastas não apenas fumam a ganja, mas também a utilizam de diversas outras maneiras em seu cotidiano. Ela é incorporada na culinária, em pratos que seguem a dieta “ital”, e também é usada como um remédio natural. A planta permeia todos os aspectos da vida rasta, da espiritualidade à saúde.

Essa relação íntima e reverente com a maconha coloca o Rastafarianismo em uma categoria única. A planta não é um vício ou um passatempo, mas um pilar da fé e da identidade cultural. É a expressão máxima de como a cannabis pode ser elevada a um status de elemento sagrado e indispensável.

A origem da tradição: Uma herança hindu na Jamaica

Um homem rasta com seus dreadlocks, fumando um grande cigarro de maconha como parte de um ritual.
O uso da maconha entre os rastas é ritualístico e meditativo, não apenas recreativo. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Acredita-se que a introdução do uso de maconha para os rastas jamaicanos tenha uma origem surpreendente. Foram os trabalhadores indianos hindus, levados para a Jamaica no século XIX, que trouxeram consigo a tradição de consumir a planta. Essa troca cultural plantou a semente de uma nova prática religiosa.

Os rastafaris fumam a ganja por razões estritamente sacramentais e meditativas, não por motivos recreativos. O ato de fumar é um ritual, uma forma de comunhão com Jah (Deus) e com os irmãos de fé. É uma prática que busca a sabedoria, a paz interior e a expansão da consciência.

Eles realizam esses rituais de forma coletiva, em sessões de “reasoning” (raciocínio), onde debatem sobre a vida, a fé e a filosofia. A ganja é vista como um catalisador para a inspiração divina e para aprofundar a compreensão das escrituras. É uma prática religiosa séria, cheia de significado e propósito.

Sufismo: O misticismo islâmico e o uso do haxixe

Dervixes rodopiantes em transe, uma prática famosa do Sufismo para alcançar a união com Deus.
O Sufismo, uma corrente mística do Islã, tem uma história de uso de haxixe que o diferencia do Islamismo tradicional. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Ao contrário do Islamismo tradicional, que geralmente proíbe intoxicantes, o Sufismo apresenta uma perspectiva diferente. Também conhecido como Tasawwuf, o Sufismo é uma forma de misticismo islâmico ou ascetismo que busca a experiência direta de Deus. Essa busca abriu caminho para práticas distintas e, por vezes, controversas.

O uso de haxixe entre os sufis remonta ao século XII e está associado a uma figura histórica importante. Sheikh Haydar, líder da ordem sufi Haydariyya, é creditado por descobrir e popularizar o uso da substância. Para ele e seus seguidores, o haxixe era uma ferramenta para a jornada espiritual.

Essa tradição estabeleceu uma clara distinção entre o Sufismo e as correntes mais ortodoxas do Islã. Enquanto uns viam o haxixe como proibido, outros o enxergavam como um meio de alcançar estados místicos. É um exemplo fascinante de como diferentes interpretações podem surgir dentro de uma mesma religião.

As trombetas e bebidas da unidade: Como o haxixe era consumido

Um cachimbo ornamentado, semelhante ao 'nafir-e-vahdat' usado pelos sufis para consumir haxixe.
Os sufis desenvolveram métodos poéticos e simbólicos para consumir o haxixe em seus rituais. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Os sufis da ordem Haydariyya foram os responsáveis por espalhar o uso do haxixe a partir da região de Khorasan, que hoje abrange partes do Irã e Afeganistão. A prática se disseminou para o sul, alcançando a Síria e o Egito, e se tornou parte da cultura sufi local. Eles desenvolveram maneiras únicas e simbólicas de consumir a substância.

Uma das formas mais populares de consumir o haxixe era fumando-o através de um cachimbo especial. Este cachimbo era poeticamente chamado de *nafir-e-vahdat*, que se traduz como “a trombeta da unidade”. O nome sugere que o ato de fumar era uma forma de anunciar e alcançar a união mística com o divino.

Outro método comum era misturar o haxixe com iogurte, criando uma bebida que eles chamavam de *dugh-e vahdat*. O nome, que significa “bebida da unidade”, reforça a ideia de que o consumo era um ritual sagrado. Essas práticas mostram a profundidade simbólica que o haxixe adquiriu dentro dessa corrente mística do Islã.

Siquismo: A controversa tradição dos guerreiros Nihang

Guerreiros sikhs Nihang em seus trajes azuis tradicionais, representando a ordem guerreira do Siquismo.
Embora o Siquismo proíba intoxicantes, uma ordem de guerreiros mantém uma tradição controversa com a cannabis. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O Sikh Rehat Maryada, o código de conduta oficial do Siquismo, é bastante explícito sobre o uso de substâncias. Ele afirma que “um sikh não deve usar cânhamo (cannabis), ópio, licor, tabaco, enfim, qualquer entorpecente”. Essa regra estabelece uma base de sobriedade e clareza para a maioria dos seguidores da fé.

No entanto, existe uma exceção notável e bastante controversa a essa regra geral. O uso de maconha é particularmente prevalente na comunidade Nihang Sikh, uma ordem de guerreiros distinta. Os Nihangs, também conhecidos como Akalis ou “os imortais”, têm uma longa história e tradições próprias.

Historicamente, o consumo de maconha entre os Nihangs estava ligado ao seu papel como guerreiros. A substância era usada principalmente durante as batalhas, talvez para aliviar a dor, aumentar a coragem ou focar a mente. Essa prática os diferencia drasticamente da maioria dos sikhs.

Debate moderno: O uso da cannabis sem batalhas

Um guerreiro Nihang preparando 'bhang', uma bebida de cannabis, como parte de uma tradição.
O consumo de cannabis pelos Nihangs hoje é motivo de debate, já que seu propósito original não existe mais. (Fonte da Imagem: Getty Images)

As folhas de cannabis são consumidas pelos Nihangs em uma preparação que recebe vários nomes, como *shaheedi degh*, *bhang*, *sukha* ou *panj pattey*. Essa prática é uma tradição antiga, passada de geração em geração dentro da ordem guerreira. É um costume que os conecta com seus ancestrais e sua história.

No entanto, o uso da maconha tem sido alvo de intenso debate nos tempos modernos. A principal questão é que os Nihangs não se envolvem em batalhas há muitos e muitos anos. O contexto original para o qual a substância era usada simplesmente não existe mais.

Isso levanta questionamentos sobre a relevância e a legitimidade de manter essa tradição hoje. Muitos argumentam que, sem o propósito marcial, o consumo se tornou meramente recreativo e vai contra os princípios fundamentais do Siquismo. O debate continua, dividindo opiniões dentro e fora da comunidade sikh.

Um altar dedicado à Santa Muerte, com estátuas, velas, flores e oferendas.
A Santa Muerte é uma figura central do catolicismo popular mexicano, com rituais que envolvem fumaça. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O culto à Santa Muerte não é exatamente uma religião formal, mas sim uma santa do catolicismo popular mexicano. Sua popularidade tem crescido de forma exponencial no país, atraindo um número cada vez maior de seguidores. Ela é vista como uma poderosa intercessora para aqueles que se sentem marginalizados pela igreja tradicional.

Uma prática muito comum entre os fiéis da Santa Muerte é soprar fumaça em seus santuários e altares. Essa fumaça pode vir de tabaco, mas também inclui, com frequência, a fumaça da maconha. O ato é uma forma de oferenda, purificação e comunicação com a “Santa Esquelética”.

Essa prática mostra como elementos de diferentes crenças e culturas podem se fundir em novos rituais. A fumaça, um elemento presente em muitas tradições espirituais, ganha um novo significado no culto à Santa Muerte. É um canal de devoção que conecta o mundo dos vivos com o da poderosa santa.

A conexão com o submundo: Narcossantos e cartéis

Uma estátua da Santa Muerte adornada, representando sua forte conexão com a cultura popular e o submundo.
A associação da Santa Muerte com o submundo e os cartéis de drogas torna a maconha uma presença comum em seu culto. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A Santa Muerte é um dos narcossantos mais populares do México, uma figura de devoção para muitos envolvidos no mundo do crime. Sua forte conexão com o submundo e com os cartéis de drogas é um dos aspectos mais controversos de seu culto. Ela é vista como uma protetora para aqueles que vivem à margem da lei.

Essa associação torna o uso de maconha uma presença quase onipresente durante os rituais de culto. A planta, que é o centro do negócio de muitos de seus devotos, é oferecida a ela como um presente valioso. É uma forma de pedir proteção, sucesso nos negócios e para agradecer pelas graças recebidas.

Essa relação simbiótica entre a santa, seus devotos e a maconha é um fenômeno social e religioso complexo. Mostra como a fé pode se adaptar e encontrar expressão nos contextos mais inesperados e perigosos. Para muitos, a Santa Muerte e a maconha são símbolos de poder e sobrevivência em um mundo implacável.

Tyler James Mitchell
  • Tyler James Mitchell é o jornalista e autor por trás do blog Curiosão, apaixonado por desvendar temas de história e ciência. Sua missão é transformar o conhecimento complexo em narrativas acessíveis e fascinantes para o público.