Curiosão

Os amores proibidos da realeza britânica que a história ocultou

Por trás dos muros do palácio, romances entre pessoas do mesmo sexo desafiaram a coroa e moldaram o destino da monarquia.

Você já parou para pensar que a história nem sempre conta tudo que aconteceu de verdade? As relações entre pessoas do mesmo sexo e as diversas identidades de gênero sempre fizeram parte da humanidade, existindo em todos os cantos e épocas. E, acredite, isso inclui os corredores luxuosos dos palácios da Realeza Britânica.

É claro que os segredos trancados a sete chaves dentro da Família Real talvez nunca sejam totalmente revelados. O que acontecia longe dos olhos do público era um mistério guardado com muito cuidado. Mesmo assim, existem inúmeros relatos, cartas e até provas concretas de que muitos monarcas se sentiram atraídos e viveram romances com pessoas do mesmo gênero.

Prepare-se para uma viagem no tempo que vai mudar a forma como você vê a monarquia. Vamos desvendar juntos a fascinante e muitas vezes oculta história LGBTQ+ da realeza britânica. Essa jornada revela paixões, poder e segredos que foram enterrados por séculos.

Eduardo II e seu polêmico relacionamento com Piers Gaveston

Retrato histórico do Rei Eduardo II da Inglaterra.
A história de Eduardo II é marcada por uma amizade tão intensa que gerou um escândalo na corte. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A história do Rei da Inglaterra, Eduardo II, é inseparável da figura de seu amigo íntimo, Piers Gaveston. Os boatos de que eles eram amantes começaram a circular assim que se conheceram, em 1297. Desde então, os dois se tornaram inseparáveis, vivendo uma relação que desafiava as convenções da época.

Gaveston não era apenas um amigo, mas o confidente e a pessoa mais próxima do rei. Essa relação profunda e exclusiva logo se tornou o assunto principal nos bastidores do poder. Para muitos nobres, a intimidade entre Eduardo e Piers era vista com desconfiança e muita inveja.

O laço entre eles era tão forte que moldou o reinado de Eduardo II de maneiras inesperadas. A lealdade do rei a Gaveston acabou por definir seu governo e, tragicamente, seu destino. Mal sabiam eles que essa amizade intensa os levaria por um caminho perigoso e sem volta.

Um pacto de amor inquebrável

Ilustração medieval mostrando o encontro entre Eduardo II e Piers Gaveston.
O momento em que os dois se conheceram foi descrito como um amor à primeira vista que selou seus destinos. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Um livro antigo, ‘A Chronicle of the Civil Wars of Edward II’ de 1939, nos dá uma pista sobre a intensidade desse sentimento. A obra descreve o momento exato em que os dois jovens se viram pela primeira vez. Foi uma conexão instantânea e avassaladora que mudaria suas vidas para sempre.

Segundo o cronista, “quando o filho do Rei olhou para ele, imediatamente sentiu tanto amor que fez um pacto de irmandade com ele”. Essa descrição vai muito além de uma simples amizade, sugerindo uma ligação de alma. Eduardo decidiu se unir a Gaveston “diante de todos os mortais, num vínculo inquebrável de amor”.

Essa passagem revela a profundidade do que Eduardo sentia, um sentimento tão poderoso que ele fez questão de formalizá-lo. A promessa de um “vínculo inquebrável” mostra que não se tratava de um capricho passageiro. Era uma devoção que ele estava disposto a defender a qualquer custo.

A descrição oficial contra a realidade

Representação artística do Rei Eduardo II em um trono, com uma expressão pensativa.
Apesar dos registros oficiais falarem em “irmandade”, as ações do rei contavam uma história bem diferente. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Apesar da intensidade do relacionamento, os registros da época tentavam disfarçar a verdadeira natureza da ligação. Cronistas medievais descreveram o vínculo entre Eduardo e Piers principalmente em termos fraternais. Essa era uma forma de tornar a relação mais aceitável para a sociedade da época.

No entanto, as ações do rei falavam mais alto que as palavras dos historiadores. A forma como Eduardo II tratava Gaveston publicamente deixava pouca margem para dúvidas. A preferência do monarca era tão óbvia que a desculpa de “amizade fraternal” soava cada vez menos convincente.

Essa dualidade entre o que era dito e o que era visto criou uma tensão constante na corte. Por um lado, havia a tentativa de manter as aparências com uma narrativa oficial. Por outro, a realidade de um amor que desafiava as normas era impossível de esconder.

A preferência que selou um destino trágico

Ilustração mostrando o casamento de Eduardo II, onde ele parece mais interessado em seu amigo do que na rainha.
A atenção que o rei dedicava a Gaveston, até mesmo em seu próprio casamento, chocou a nobreza. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O escândalo atingiu seu ápice durante o banquete de casamento do próprio rei. Dizem que Eduardo II deu muito mais atenção a Piers Gaveston do que à sua recém-esposa, a Rainha. Esse gesto foi visto como uma afronta direta e um sinal claro de onde estava o coração do monarca.

Para complicar ainda mais as coisas, o rei nunca teve uma amante, algo comum entre os soberanos da época. Essa ausência de relações com outras mulheres apenas reforçava as suspeitas sobre sua verdadeira preferência. A devoção exclusiva a Gaveston era um fato que ninguém podia ignorar.

Essas atitudes não apenas alimentaram os boatos, mas também criaram inimigos poderosos para o casal. A nobreza se sentia desprezada e a rainha, humilhada publicamente. A felicidade de Eduardo e Piers estava construindo um castelo de cartas prestes a desmoronar.

A ascensão e queda de um favorito

Piers Gaveston, o primeiro conde da Cornualha, em uma pintura de época.
O poder de Gaveston cresceu rapidamente, mas sua impopularidade entre os nobres foi sua ruína. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Piers Gaveston, que recebeu o título de primeiro conde da Cornualha, rapidamente se tornou o favorito absoluto de Eduardo II. Com o apoio do rei, ele acumulou um poder imenso dentro da corte. Essa ascensão meteórica, no entanto, gerou um profundo ressentimento entre os outros nobres.

A preferência descarada do rei por Gaveston o tornou uma figura extremamente impopular. Os barões da Inglaterra viam sua influência como uma ameaça ao equilíbrio de poder do reino. A inveja e a raiva contra o favorito do rei cresciam a cada dia.

Infelizmente, essa história não teve um final feliz. A pressão da nobreza se tornou insustentável e Gaveston acabou sendo capturado e executado em 19 de junho de 1312. Sua morte foi um golpe devastador para o rei e um evento marcante na história britânica.

O legado cultural de um rei controverso

Pôster do filme 'Edward II' de 1991, que explora a homossexualidade do rei.
A história de amor e tragédia de Eduardo II inspirou diversas obras de arte ao longo dos séculos. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A suposta homossexualidade de Eduardo II nunca foi esquecida e continuou a fascinar artistas e historiadores. Ao longo dos anos, sua história foi contada e reinterpretada de diversas formas. A complexidade de seu reinado e de sua vida pessoal se tornou um prato cheio para a criatividade.

Um dos exemplos mais antigos é a peça ‘Edward II’, escrita por Christopher Marlowe em 1592. Séculos depois, a história foi transformada na ópera ‘Lessons in Love and Violence’ de George Benjamin. Essas obras exploram a paixão, o poder e a violência que marcaram a vida do rei.

O cinema também se rendeu à narrativa, como no filme ‘Eduardo II’ (1991), do aclamado diretor Derek Jarman. Essas representações artísticas mantiveram viva a memória de um rei cujo amor desafiou as regras. Sua história continua a ressoar, provando que o amor pode ser tão poderoso quanto uma coroa.

Jaime VI & I: O rei e seus favoritos masculinos

Retrato oficial do Rei Jaime VI & I, que uniu as coroas da Escócia e Inglaterra.
Jaime VI & I foi um monarca poderoso cujo interesse se voltava exclusivamente para a companhia de homens. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Jaime VI & I foi uma figura monumental, reinando como Jaime VI na Escócia e como Jaime I na Inglaterra e Irlanda. No entanto, por trás de sua fachada de poder, havia um detalhe que chamava a atenção de todos. Este monarca nunca demonstrou o menor interesse por mulheres.

Desde jovem, o soberano sempre preferiu a companhia de belos e charmosos homens. Ao longo de sua vida, ele teve vários “favoritos” que desfrutavam de sua intimidade e de privilégios na corte. Essas relações eram um segredo aberto, conhecido por todos que o cercavam.

A história de seus relacionamentos com outros homens é uma parte crucial de seu reinado. Esses favoritos não eram apenas companheiros, mas também exerciam grande influência política. O coração do rei, sem dúvida, pertencia a eles.

O primeiro favorito: Esmé Stewart

Esmé Stewart, o duque de Lennox, em uma pintura de época.
Aos 13 anos, o jovem rei encontrou em Esmé Stewart um mentor e, possivelmente, seu primeiro amor. (Fonte da Imagem: Public Domain)

A primeira grande paixão do rei surgiu quando ele era apenas um adolescente. Jaime tinha 13 anos quando conheceu Esmé Stewart, o charmoso duque de Lennox, que rapidamente conquistou seu coração. Essa relação foi muito além de uma simples amizade, marcando o início de um padrão de favoritos masculinos na vida do monarca.

Stewart não era apenas um rosto bonito; ele se tornou um mentor para o jovem rei. Sua influência foi profunda, guiando Jaime nos assuntos da corte e nos desafios do poder. Essa proximidade consolidou a posição de Esmé como a pessoa mais importante na vida do rei naquele momento.

Ele foi, sem sombra de dúvida, o primeiro grande favorito de Jaime, um título que vinha com imenso poder e intimidade. A relação deles era tão intensa que causava ciúmes e preocupação entre os nobres escoceses. Assim, a história de Jaime e Esmé estabeleceu um precedente para os relacionamentos que viriam a definir seu reinado.

A paixão avassaladora por Robert Carr

Robert Carr, primeiro conde de Somerset, em retrato de época.
O rei encontrou em Robert Carr um novo favorito, uma paixão que o consumiu por anos. (Fonte da Imagem: Public Domain)

Anos depois, o coração do rei seria arrebatado novamente, desta vez de forma ainda mais dramática. Em um combate de cavaleiros em 1607, Jaime conheceu Robert Carr, o futuro primeiro conde de Somerset. A atração foi imediata e avassaladora, dando início a mais um capítulo intenso na vida amorosa do monarca.

Carr não era apenas um homem bonito; ele possuía um charme que cativou o rei completamente. O soberano ficou tão apaixonado que logo o cobriu de títulos, terras e poder. Essa devoção cega, no entanto, acabaria por trazer sérios problemas para o reino.

O relacionamento com Carr foi marcado por paixão, mas também por intrigas e escândalos. A influência do favorito sobre o rei era imensa, para o desespero da corte. Esse romance mostra como as emoções de Jaime frequentemente se sobrepunham às suas responsabilidades como governante.

Mary & George: O amante que virou inspiração para série

Pintura de George Villiers, primeiro duque de Buckingham, o favorito mais famoso do Rei Jaime.
A relação entre Jaime e George Villiers foi tão marcante que inspirou a recente série ‘Mary & George’. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Quando todos pensavam que o coração do rei já tinha dono, uma nova figura surgiu para mudar tudo. Em 1614, Jaime conheceu George Villiers, que viria a se tornar o primeiro duque de Buckingham. Villiers não era apenas mais um favorito; ele se tornou a paixão definitiva e mais duradoura do monarca.

Essa história de amor e poder foi tão fascinante que recentemente inspirou a série de televisão ‘Mary & George’. A produção explora como a ambiciosa mãe de George, Mary Villiers, interpretada por Julianne Moore, o ajudou a seduzir o rei. Foi uma trama cuidadosamente orquestrada para alcançar o poder máximo na corte.

A ascensão de Villiers foi meteórica, superando todos os favoritos anteriores em influência e proximidade com o rei. Ele se tornou não apenas o amante, mas o conselheiro mais confiável de Jaime. A relação deles redefiniu a dinâmica da corte e deixou uma marca indelével na história britânica.

O homem mais bonito da Inglaterra

George Villiers em um retrato que destaca sua beleza e elegância.
A beleza de Villiers era lendária, descrita por contemporâneos como inigualável em toda a Inglaterra. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A beleza de George Villiers era algo comentado por todos na corte, e não passou despercebida pelo rei. Godfrey Goodman, que mais tarde se tornaria bispo de Gloucester, descreveu-o sem rodeios. Ele afirmou que Villiers era “o homem mais bonito da Inglaterra”.

Mas não era apenas a aparência que encantava; seu jeito também era um grande atrativo. Goodman completou sua descrição afirmando que ele tinha um “temperamento tão doce”. Essa combinação de beleza física e personalidade cativante era simplesmente irresistível para o rei.

Foi essa mistura perfeita que garantiu a Villiers um lugar especial e permanente ao lado de Jaime. Ele não era apenas um objeto de desejo, mas uma companhia agradável e encantadora. O rei havia encontrado em George Villiers a personificação de seu ideal.

Uma carta que revela tudo

Detalhe de uma carta histórica, simbolizando a correspondência íntima entre o Rei Jaime e George Villiers.
As cartas trocadas entre os dois revelam uma intimidade e um carinho que transcendem a amizade. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A profundidade do sentimento do Rei Jaime por George Villiers ficou eternizada em suas correspondências. Em uma carta particularmente reveladora, o monarca descreve sua afeição de forma poética. As palavras escolhidas não deixam dúvidas sobre a natureza íntima do relacionamento.

Ele escreveu: “Há esta diferença entre aquele nobre mão e coração, um pode se fartar de um, mas não do outro”. O rei continuou, expressando um desejo insaciável pelo afeto de Villiers. A carta é uma declaração de amor disfarçada de prosa formal.

Ao final, ele pede permissão para parar de escrever, pois sua mão estava pronta para “executar os movimentos e afeições desse tipo de coração prestativo”. É uma confissão clara e apaixonada. Essas palavras são a prova mais concreta de um amor que a história tentou esconder.

Carlos I e a herança do favorito

Pintura 'Apolo e Diana', mostrando Carlos I e George Villiers trocando olhares significativos.
A influência de Villiers se estendeu ao reinado seguinte, criando uma conexão especial também com o filho de Jaime, Carlos I. (Fonte da Imagem: Public Domain)

O poder e a influência de George Villiers não terminaram com a morte do Rei Jaime. Surpreendentemente, sua posição privilegiada continuou durante o reinado do filho de Jaime, Carlos I. Villiers conseguiu manter sua relevância e se tornou um amigo próximo do novo rei.

A pintura ‘Apolo e Diana’, de 1628, feita por Gerard van Honthorst, parece capturar essa conexão. Em um detalhe da obra, podemos ver Carlos I e Villiers trocando olhares intensos. Eles parecem completamente absortos um no outro, ignorando todo o resto ao redor.

Essa representação artística alimenta as especulações sobre a natureza da relação entre eles. Embora não seja uma prova definitiva de um romance, o gesto sugere uma intimidade notável. Villiers, o grande amor de um rei, tornou-se também o confidente de seu sucessor.

Rainha Ana: Um triângulo amoroso feminino na corte

Retrato da Rainha Ana da Grã-Bretanha.
O reinado da Rainha Ana foi marcado por amizades femininas intensas que geraram poder, ciúmes e traição. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A história da Rainha Ana é um fascinante drama de amizade, poder e paixão. Sua relação mais significativa foi com Sarah Churchill, que ela conheceu ainda na infância. Sarah, sendo cinco anos mais velha, rapidamente se tornou sua amiga mais íntima e confidente.

Essa amizade profunda se transformou em uma poderosa aliança política e pessoal. A conexão entre as duas mulheres era tão forte que moldou decisões importantes do reino. Juntas, elas formaram uma dupla imbatível nos corredores do poder.

No entanto, como em muitas histórias de grande intensidade, o ciúme e a ambição acabaram entrando em cena. A chegada de uma terceira pessoa abalaria essa relação para sempre. O que começou como uma amizade de infância se transformaria em um dos triângulos amorosos mais famosos da história.

Sarah Churchill e o poder da amizade

Sarah Churchill, Duquesa de Marlborough, em um retrato formal.
Graças à sua amizade com a rainha, Sarah Churchill acumulou títulos e um poder sem precedentes na corte. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Quando Ana ascendeu ao trono da Grã-Bretanha em 1702, ela não se esqueceu de sua amiga. A nova rainha concedeu a Sarah Churchill uma série de títulos e cargos importantes. Sarah se tornou, entre outras coisas, Senhora das Túnicas e Guardiã da Bolsa Privada.

Esses postos deram a Sarah uma influência extraordinária sobre os assuntos do Estado e as finanças da rainha. Ela se tornou a mulher mais poderosa da corte, logo após a própria monarca. Sua posição era um testemunho da profunda confiança e afeto que Ana sentia por ela.

A amizade delas era a base de um poder compartilhado, uma dinâmica rara para a época. Sarah não era apenas uma amiga, mas a principal conselheira e o braço direito da rainha. Juntas, elas governavam nos bastidores do palácio.

Cartas de amor de uma rainha

Manuscrito de uma carta antiga, simbolizando as correspondências apaixonadas da Rainha Ana para Sarah Churchill.
As palavras da Rainha Ana para Sarah revelam um amor profundo e uma necessidade constante de sua presença. (Fonte da Imagem: Public Domain)

O amor que a Rainha Ana sentia por Sarah Churchill fica evidente em suas cartas. Uma delas, em particular, revela a intensidade de seus sentimentos. A rainha expressa uma saudade quase insuportável quando estão separadas.

Na carta, Ana escreve: “Se eu pudesse dizer como me impedir de lhe escrever todos os dias, eu o faria… mas realmente não posso”. Essas palavras mostram uma dependência emocional e um carinho que vão além da amizade. Era uma necessidade constante de conexão com sua pessoa favorita.

Ela conclui dizendo: “…quando sou de você, não posso estar à vontade sem perguntar por você”. A frase “sou de você” é uma declaração poderosa de pertencimento e devoção. As cartas são um registro comovente de um grande amor real.

A Favorita: A traição que inspirou um filme de sucesso

Abigail Masham, a prima de Sarah Churchill que conquistou o afeto da Rainha Ana.
A chegada de Abigail Masham mudou o jogo de poder e o coração da rainha, inspirando o filme ‘A Favorita’. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Com o tempo, a relação entre a Rainha Ana e Sarah Churchill começou a se desgastar. Lentamente, mas de forma segura, a rainha começou a se afastar de sua velha amiga. No lugar de Sarah, surgiu uma nova figura: sua prima, Abigail Masham.

A aproximação entre Ana e Abigail deu início a um complexo triângulo amoroso. A luta pelo afeto e pela influência da rainha se tornou o centro de uma grande disputa na corte. Esse drama histórico serviu de inspiração para o aclamado filme ‘A Favorita’ (2018).

Dirigido por Yorgos Lanthimos, o longa retrata brilhantemente essa teia de paixão, ambição e traição. Estrelado por Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone, o filme trouxe essa história fascinante para o grande público. A rivalidade entre as duas mulheres pelo amor da rainha se tornou um clássico do cinema.

O escândalo dos “atos sombrios à noite”

Representação da Rainha Ana e Abigail Masham em um momento de intimidade.
Panfletos maliciosos espalharam rumores sobre a intimidade entre a rainha e sua nova favorita, selando o fim da amizade com Sarah. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Sentindo-se traída e perdendo poder, Sarah Churchill não ficou de braços cruzados. Em 1708, seu secretário, Arthur Mainwaring, começou a distribuir panfletos políticos contra a Rainha Ana. A intenção era clara: difamar a rainha e sua nova favorita.

Os folhetos eram maliciosos e mencionavam o “doce serviço” e os “atos sombrios à noite” entre a monarca e Abigail. Essas insinuações sobre a natureza íntima da relação delas chocaram a sociedade. Foi uma tentativa desesperada de Sarah para desacreditar sua rival e recuperar seu lugar.

Essa tática, no entanto, teve o efeito contrário e selou o destino da amizade. A relação entre a Rainha Ana e Sarah Churchill chegou a um fim amargo e definitivo em 1710. O escândalo dos panfletos foi a gota d’água em uma história de amor e poder que terminou em traição.

Arabella Hunt e seu casamento surpreendente

Retrato de Arabella Hunt, musicista da corte, segurando um alaúde.
Arabella Hunt era uma talentosa musicista da corte, cuja vida pessoal se tornaria um dos maiores escândalos da época. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Arabella Hunt era uma figura conhecida e admirada na corte real. Ela era uma musicista e cantora de talento excepcional, famosa por sua habilidade em tocar alaúde. Sua voz era tão bela que foi descrita como “a flauta de um priolo”, uma espécie de pássaro de canto melodioso.

Seu talento a levou a servir na corte da Rainha Maria II. Além disso, ela teve a honra de ensinar a própria Rainha Ana a cantar. Arabella era uma presença constante e respeitada nos círculos mais altos da realeza.

Contudo, foi sua vida pessoal, e não sua música, que a tornaria uma lenda. Um casamento inesperado e uma revelação chocante a colocaram no centro de um escândalo sem precedentes. Sua história prova que a realidade pode ser muito mais estranha que a ficção.

A chocante revelação no altar

Representação de um casamento do século XVII, simbolizando a união de Arabella Hunt.
O casamento de Arabella com James Howard escondeu um segredo que logo viria à tona de forma bombástica. (Fonte da Imagem: Public Domain)

Em 1680, a vida de Arabella Hunt tomou um rumo inesperado quando ela se casou com um homem chamado James Howard. No entanto, o que parecia ser um casamento comum escondia um segredo impressionante. Pouco tempo depois, descobriu-se que James era, na verdade, uma mulher.

Seu nome verdadeiro era Amy Poulter, e ela vivia disfarçada, vestindo-se com roupas masculinas. A descoberta deixou Arabella completamente chocada e em uma situação delicada. A cantora decidiu então abandonar Poulter e levar o caso para os tribunais.

Esse evento extraordinário se tornou o assunto mais comentado da época. Uma mulher havia se casado com outra mulher, algo impensável e ilegal naquele tempo. O caso de Arabella e Amy estava prestes a fazer história nos anais judiciais da Inglaterra.

Uma mulher de “duplo gênero” no tribunal

Ilustração de um tribunal do século XVII, onde o caso de Arabella Hunt foi julgado.
No tribunal, Arabella acusou sua “esposa” de ser uma mulher, mas a defesa de Amy Poulter foi surpreendente. (Fonte da Imagem: Getty Images)

No tribunal, Arabella Hunt fez uma acusação formal contra Amy Poulter. Ela alegou que Poulter era uma mulher de “duplo gênero”, uma terminologia da época para descrever alguém intersexo ou que não se conformava com as normas de gênero. A acusação visava anular o casamento.

Para resolver a questão, o tribunal nomeou uma equipe de parteiras para examinar Amy Poulter. O veredito delas foi surpreendente e direto. Elas determinaram que Poulter era uma “mulher perfeita com todas as suas partes”.

Essa constatação confirmou que o casamento havia ocorrido entre duas mulheres. O caso não era sobre um “gênero duplo”, mas sim sobre uma relação homoafetiva. A decisão das parteiras foi crucial para o desfecho do processo.

O fim de um casamento impossível

Arabella Hunt em um retrato posterior, após o escândalo de seu casamento.
Após a anulação, Arabella nunca mais se casou, carregando para sempre a marca de seu extraordinário casamento. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Com a confirmação de que Amy Poulter era uma mulher, o destino do casamento estava selado. A união foi finalmente anulada pelo tribunal. A base para a anulação foi simples: a lei não permitia que duas mulheres se casassem legalmente.

A história de Amy Poulter teve um fim trágico, pois ela morreu pouco tempo depois do julgamento. Já Arabella Hunt, a talentosa cantora, nunca mais se casou. O escândalo e a experiência única parecem ter deixado uma marca permanente em sua vida.

O caso delas permanece como um fascinante vislumbre das vidas queer do século XVII. Mostra como as pessoas encontravam maneiras de viver suas identidades, mesmo sob o risco de exposição e punição. É uma história de coragem, engano e um amor que desafiou todas as regras.

As “Molly Houses”: O refúgio secreto da subcultura gay

Ilustração do interior de uma taverna do século 18, representando uma 'Molly House'.
As Molly Houses eram espaços secretos onde homens gays podiam se reunir e expressar livremente sua identidade. (Fonte da Imagem: Public Domain)

O século 18 testemunhou um fenômeno cultural fascinante e ousado. Surgiu em Londres uma subcultura de homens gays que ficaram conhecidos como “mollies”. Eles criaram uma comunidade vibrante e secreta em uma época de forte repressão.

Esses homens adotavam com orgulho maneirismos considerados efeminados e usavam roupas que refletiam suas preferências. Era uma forma de identidade e de resistência silenciosa contra as normas rígidas da sociedade. Ser uma “molly” era abraçar quem você realmente era.

Para se encontrarem, eles criaram as “Molly Houses”, que eram tavernas ou casas particulares que funcionavam como pontos de encontro seguros. Esses locais se tornaram populares em toda Londres, servindo como refúgios onde podiam socializar e celebrar. Era um mundo escondido, pulsando bem no coração da cidade.

John Hervey: O cortesão de modos “afeminados”

Retrato de John Hervey, 2º Barão Hervey, um conhecido cortesão inglês.
John Hervey era famoso na corte por seus modos considerados efeminados, o que o tornou alvo de críticas e apelidos. (Fonte da Imagem: Public Domain)

Dentro desse cenário efervescente, uma figura da alta sociedade se destacava. O cortesão inglês John Hervey, 2º Barão Hervey, era supostamente um frequentador desse universo. Sua maneira de ser o colocava no centro das atenções e das fofocas.

Ele era constantemente criticado por seus modos considerados afeminados. Por causa disso, recebeu vários apelidos pejorativos de seus inimigos. Um dos mais famosos era “coisa anfíbia”, sugerindo que ele não se encaixava nas definições tradicionais de masculinidade.

Apesar das críticas, Hervey navegava com habilidade pela corte. Ele era uma figura complexa, cuja vida desafiava as categorias simples. Sua história revela as tensões e as possibilidades de viver uma identidade não normativa na aristocracia do século 18.

Uma vida dupla entre homens e mulheres

John Hervey e sua esposa, Molly Lepell, em uma representação artística.
Apesar de casado, John Hervey era conhecido por manter relacionamentos íntimos tanto com mulheres quanto com homens. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Para manter as aparências, John Hervey casou-se com Molly Lepell em 1720. No entanto, seu casamento não o impediu de seguir seus verdadeiros desejos. Ele é conhecido por ter tido relações íntimas tanto com mulheres quanto com homens.

Seu relacionamento mais notável e duradouro foi com outro nobre, Stephen Fox. Os dois mantiveram um caso por impressionantes 14 anos. Era um segredo aberto entre os círculos mais próximos, um testemunho da complexidade de sua vida amorosa.

Hervey vivia uma vida dupla, equilibrando as expectativas sociais de um casamento com a realidade de sua bissexualidade. Sua história mostra como muitos na época encontravam maneiras de conciliar suas vidas públicas e privadas. Era uma dança delicada entre o dever e o desejo.

A delícia de viver com Stephen Fox

Representação artística de dois nobres do século 18 em um momento de descontração na Itália.
Hervey descreveu em carta a felicidade de sua vida na Itália ao lado de Stephen Fox. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Durante um período, John Hervey e Stephen Fox chegaram a morar juntos na Itália. Longe dos olhares curiosos da corte inglesa, eles puderam viver seu romance com mais liberdade. Uma carta de Hervey desse período revela a felicidade que compartilhavam.

Falando sobre Stephen Fox, Hervey escreveu que “ele torna nossas vidas uma delícia”. A descrição da rotina deles é cheia de alegria e companheirismo. Eles passavam o tempo “rindo, conversando, cantando e espantando o tédio”.

Essas palavras pintam um quadro de uma vida doméstica feliz e harmoniosa. Mostra um amor genuíno e uma parceria que trazia alegria mútua. A carta é um raro e precioso vislumbre da vida cotidiana de um casal do mesmo sexo na aristocracia do século 18.

O boato de um romance com o Príncipe de Gales

Frederico, Príncipe de Gales, em um retrato oficial.
A proximidade entre John Hervey e o Príncipe Frederico alimentou rumores de mais um romance real. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Além de seu longo caso com Stephen Fox, outros rumores cercavam a vida de John Hervey. Um dos mais persistentes era sobre um possível relacionamento com Frederico, o Príncipe de Gales. A proximidade entre os dois era notória e levantava suspeitas.

No entanto, é importante notar que não há evidências concretas para confirmar essa teoria. Pode ter sido apenas mais uma fofoca maliciosa para manchar a reputação de Hervey. A verdade sobre esse suposto romance real permanece um mistério.

O que é inegável é que os dois eram, de fato, bastante próximos. Essa amizade especial com o herdeiro do trono apenas aumentava a aura de fascínio e controvérsia em torno de John Hervey. Ele era, sem dúvida, uma das figuras mais intrigantes e comentadas de seu tempo.

Tyler James Mitchell
  • Tyler James Mitchell é o jornalista e autor por trás do blog Curiosão, apaixonado por desvendar temas de história e ciência. Sua missão é transformar o conhecimento complexo em narrativas acessíveis e fascinantes para o público.