Curiosão

A cidade de Cleópatra está desaparecendo bem diante dos olhos

A elevação do nível do mar está engolindo a histórica Alexandria, colocando em risco um dos maiores tesouros da humanidade.

A lendária cidade de Alexandria, que já foi o epicentro do conhecimento e poder no mundo antigo, hoje enfrenta um inimigo invisível e implacável. Um estudo recente publicado na Earth’s Future soou o alarme, revelando que a cidade está literalmente afundando. Esta não é uma ameaça distante, mas uma crise urgente provocada pela intrusão de água salgada em suas fundações.

O que está em jogo vai muito além de prédios e ruas, pois estamos falando da potencial perda de um capítulo vital da história humana. Foi neste solo que a icônica rainha Cleópatra governou e onde a mítica Biblioteca de Alexandria iluminou o mundo. Perder Alexandria seria como apagar uma parte fundamental de quem somos como civilização.

A grande questão que paira no ar é se podemos proteger este patrimônio inestimável de um destino submerso. O custo do fracasso seria imensurável, deixando para as futuras gerações apenas as memórias de uma cidade que um dia foi grandiosa. A corrida contra o tempo para salvar o legado de Alexandria já começou e o relógio não para de correr.

A crise climática bate à nossa porta

Pés de uma pessoa na beira da água em uma praia poluída, representando o impacto humano no clima.
Nossas ações diárias têm consequências diretas no planeta, acelerando a crise climática. (Fonte da Imagem: Getty Images)

As mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão distante para se tornarem uma realidade que afeta nossas vidas diariamente. O impacto é cada vez mais visível, alterando a geografia dos lugares onde vivemos de forma permanente. Cidades históricas e comunidades costeiras em todo o mundo estão na linha de frente desta batalha contra a natureza.

Desde o ano de 1880, o nível global do mar já subiu impressionantes 21 a 24 centímetros, um número que pode parecer pequeno mas tem efeitos devastadores. Essa elevação, impulsionada pelo derretimento acelerado do gelo e pela expansão térmica da água, representa uma mudança substancial e perigosa. O planeta está nos enviando um sinal claro de que algo está terrivelmente errado.

A situação na Europa é igualmente preocupante, com a maioria de suas costas sofrendo com o aumento do nível do mar. A notável exceção do norte do Mar Báltico apenas reforça a complexidade do fenômeno. Este cenário acende um alerta vermelho para a preservação do patrimônio cultural e natural do continente.

Um problema que não conhece fronteiras

Mapa do mundo destacando as áreas costeiras vulneráveis em vários continentes.
De ilhas do Pacífico a megacidades asiáticas, a elevação do mar é uma ameaça universal. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Este não é um problema isolado, mas uma questão que afeta o mundo inteiro sem distinção. Da erosão costeira que ameaça engolir pequenas nações insulares do Pacífico às vulneráveis megacidades da Ásia, os sinais estão por toda parte. Ninguém está imune aos efeitos cascata das mudanças climáticas.

O continente africano, com suas vastas áreas costeiras, também enfrenta essa ameaça de forma direta. Nações como o Egito, guardiãs de uma história milenar, veem seu patrimônio e suas populações em risco iminente. A luta pela sobrevivência tornou-se uma realidade para milhões de pessoas.

A elevação das águas representa um perigo duplo, ameaçando tanto os lares de quem vive no litoral quanto a preservação de tesouros históricos. Muitos desses locais são simplesmente insubstituíveis, guardando a memória e a cultura da humanidade por séculos. A perda deles seria um golpe profundo em nossa herança compartilhada.

Vestígios de um império sob ameaça

Estátuas e ruínas antigas de Alexandria, representando a rica história da cidade.
Cada pedra em Alexandria conta uma história de glória, agora ameaçada pelas águas. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A potencial perda de Alexandria é particularmente preocupante, pois não se trata de uma cidade qualquer. Famosa por ser o local de nascimento de Cleópatra e um centro vital de estudos antigos, ela corre um sério risco de submersão. A ideia de que um lugar tão icônico possa desaparecer é assustadora.

Essa cidade histórica, que já foi um farol de conhecimento para o mundo, agora se encontra em uma situação de extrema fragilidade. A ameaça não é apenas uma teoria, mas um fato comprovado por dados científicos alarmantes. A destruição já está acontecendo em um ritmo que supera as piores previsões.

A realidade é que as fundações de Alexandria estão sendo corroídas silenciosamente pelo avanço do mar. Um estudo recente revelou que centenas de edifícios já desabaram por causa da erosão costeira. Milhares de outras estruturas estão vulneráveis, criando um cenário de desastre iminente.

Os números chocantes por trás da tragédia

Prédio parcialmente desabado em Alexandria, mostrando a fragilidade das estruturas.
Por trás da fachada da cidade moderna, a instabilidade cresce a cada ano que passa. (Fonte da Imagem: Getty Images)

O estudo liderado pelo cientista hídrico Essam Heggy revelou uma verdade inconveniente sobre a antiga cidade portuária. Sua equipe descobriu que, nas últimas duas décadas, 280 edifícios desabaram devido à erosão costeira. Além disso, mais 7 mil edifícios foram identificados como altamente vulneráveis a um colapso.

O ritmo de desabamentos de edifícios ao longo da orla da cidade acelerou de forma dramática na última década. O que antes era um evento raro, com aproximadamente um colapso por ano, transformou-se em uma crise alarmante. Hoje, a cidade chega a registrar até 40 desabamentos anuais.

Os números contam uma história de perdas e dor para a população local. Somente entre os anos de 2014 e 2020, 86 edifícios foram completamente destruídos. Outros 201 sofreram desabamentos parciais, resultando na trágica morte de 85 pessoas.

A linha do tempo da destruição

Equipes de resgate trabalhando nos escombros de um prédio desabado em Alexandria em 2005.
Em 2005, a cidade testemunhou uma tragédia que matou 16 pessoas, incluindo crianças. (Fonte da Imagem: Getty Images)

A imagem desoladora de junho de 2005 documenta a destruição causada pelo desabamento de um prédio de seis andares em Alexandria. O incidente marcou a cidade, ceifando a vida de 16 pessoas e ferindo outras 17. Foi um dos primeiros grandes alertas sobre a instabilidade crescente das construções locais.

Anos depois, em julho de 2012, a tragédia se repetiu de forma ainda mais devastadora. Equipes de resgate trabalharam incansavelmente para recuperar corpos dos escombros de um prédio de 11 andares que veio abaixo. O desabamento foi tão violento que também destruiu três casas vizinhas.

O cenário no distrito de Sidi Gaber, em agosto de 2013, era de puro caos e desespero. Equipes de emergência vasculhavam freneticamente os escombros de um prédio de sete andares que desabou. A busca por sobreviventes se tornou uma corrida contra o tempo em meio à poeira e à destruição.

A aceleração dos desastres

Maquinário pesado removendo escombros de um prédio de doze andares que desabou em 2017.
O colapso de um prédio de 12 andares em 2017 mobilizou grandes operações de limpeza. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Em junho de 2017, um prédio de apartamentos de doze andares desabou sobre outra estrutura em Alexandria. Equipamentos de construção pesada foram mobilizados para as complexas operações de recuperação e limpeza. O incidente demonstrou que a escala dos desastres estava aumentando perigosamente.

A cidade mal teve tempo de se recuperar quando, em dezembro de 2020, outro prédio em ruínas desmoronou. O colapso resultou em mais três mortes, com equipes de resgate e civis trabalhando juntos no local. A cena de solidariedade em meio à tragédia se tornou dolorosamente comum.

O alerta mais recente e talvez mais grave veio em junho de 2023. Um prédio de apartamentos de treze andares, que já havia sido considerado “perigoso”, desabou no bairro de Sidi Bishr. Equipes de resgate civil mais uma vez realizaram operações de busca desesperadas no local do colapso.

A ciência revela a causa oculta dos colapsos

Cientista analisando amostras de solo em um laboratório, representando a investigação sobre a erosão.
A resposta para os desabamentos não está nos prédios, mas no solo que os sustenta. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Para entender a fundo o impacto da elevação do nível do mar, os pesquisadores conduziram uma análise minuciosa. Eles mapearam os desabamentos de edifícios ao longo de 20 anos, cruzando dados com imagens de satélite e mapas históricos. O objetivo era encontrar um padrão que explicasse a crise.

Ao comparar imagens de satélite de 1974 a 2021 com mapas antigos de Alexandria, as descobertas foram alarmantes. O estudo demonstrou uma clara tendência de recuo do litoral da cidade. Em algumas áreas, as taxas anuais de erosão do solo chegaram a impressionantes 24 a 36 metros.

A análise de isótopos químicos foi a chave para desvendar o mistério, revelando que a água salgada está por trás de tudo. Ibrahim Saleh, coautor do estudo, explicou que os edifícios estão desmoronando de baixo para cima. A intrusão de água do mar erode as fundações e enfraquece o solo, tornando o terreno instável.

O legado de Alexandria: Mais do que pedras e areia

Barreiras de concreto protegendo a histórica Cidadela de Qaitbay do avanço do Mar Mediterrâneo.
Medidas desesperadas são tomadas para proteger locais históricos, como a Cidadela de Qaitbay. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Em uma tentativa de proteger seu patrimônio, barreiras de concreto foram erguidas ao redor da Cidadela de Qaitbay. Esta fortaleza do século XV foi construída no mesmo local do famoso e antigo Farol de Alexandria. A medida, embora necessária, é um triste lembrete da vulnerabilidade da cidade.

O Farol, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, e a lendária Biblioteca de Alexandria servem como poderosos símbolos da notável história da cidade. Eles representam uma era de ouro do conhecimento e da engenhosidade humana. A possibilidade de perder o que restou desse legado é uma perspectiva sombria.

À medida que o aumento do nível do mar ameaça a área, cresce a preocupação de que a herança histórica da cidade seja perdida para sempre. Alexandria não foi apenas o lar da famosa Cleópatra, a última dos monarcas ptolomaicos. Ela também abrigou algumas das mentes mais brilhantes da antiguidade.

Um berço de gigantes do conhecimento

Ilustração antiga de estudiosos trabalhando na Biblioteca de Alexandria.
Estudiosos como Hiparco e Ptolomeu mudaram o mundo a partir de seus observatórios em Alexandria. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Figuras influentes como o astrônomo Hiparco e o geógrafo Ptolomeu fizeram de Alexandria seu lar. Trabalhando em seus observatórios na cidade, eles produziram obras revolucionárias que tiveram um impacto duradouro na ciência. O conhecimento gerado ali moldou o curso da história humana.

Hiparco foi responsável por criar o primeiro catálogo estelar abrangente, um feito monumental para a época. Já Ptolomeu desenvolveu o modelo geocêntrico do universo em sua influente obra, o “Almagesto”. Ambos os trabalhos nasceram do ambiente intelectual fértil que Alexandria proporcionava.

Perder Alexandria, portanto, não significa apenas perder edifícios antigos e artefatos. Significa perder a conexão física com o lugar onde a ciência moderna deu alguns de seus primeiros e mais importantes passos. É um legado que pertence a toda a humanidade e que agora está sob grave ameaça.

Existe salvação para a cidade de Cleópatra?

Pessoas caminhando na orla de Alexandria, com o mar calmo ao fundo, em um momento de aparente tranquilidade.
Apesar da crise, a vida continua em Alexandria, mas o futuro da cidade é incerto. (Fonte da Imagem: Getty Images)

Diante da ameaça iminente, os pesquisadores sugerem que Alexandria implemente soluções práticas e urgentes. A construção de dunas e barreiras de areia é uma das propostas para conter o avanço do mar. Além disso, elevar estruturas e realocar moradores das áreas mais vulneráveis são medidas consideradas essenciais.

O cientista Essam Heggy destacou a importância de agir agora para proteger cidades históricas. Ele afirma que lugares como Alexandria são cruciais para a salvaguarda de nossa herança humana compartilhada. A luta para salvá-los é uma responsabilidade global.

Heggy alertou que, com a contínua elevação do nível do mar, a proteção desses locais vai além de salvar edifícios. Trata-se, em última análise, de preservar quem somos e de onde viemos como espécie. Perder Alexandria é perder uma parte da nossa própria identidade.

Tyler James Mitchell
  • Tyler James Mitchell é o jornalista e autor por trás do blog Curiosão, apaixonado por desvendar temas de história e ciência. Sua missão é transformar o conhecimento complexo em narrativas acessíveis e fascinantes para o público.