Fazenda de ex-presidente dos EUA revela cemitério de escravizados
Descobertas arqueológicas na propriedade Hermitage expõem a brutalidade da escravidão nos Estados Unidos, com restos de 28 pessoas escravizadas identificados.
Pesquisadores da Fundação Andrew Jackson revelaram a descoberta de um cemitério contendo os restos mortais de pelo menos 28 indivíduos escravizados na fazenda Hermitage, antiga propriedade do sétimo presidente dos Estados Unidos, Andrew Jackson. A localização foi possível graças ao uso de tecnologias modernas, como radar de penetração no solo, que permitiram identificar as sepulturas sem a necessidade de escavações invasivas. O achado lança luz sobre o papel central da escravidão na construção da riqueza de Jackson e sua família, que escravizaram mais de 300 pessoas ao longo de quase um século.
A fazenda Hermitage, localizada em Nashville, Tennessee, era uma vasta propriedade que chegou a ter cerca de 405 hectares no auge de sua operação. Durante o mandato presidencial de Jackson, entre 1829 e 1837, ele mantinha 95 pessoas escravizadas, distribuídas entre sua residência oficial em Washington e a plantação em Nashville. Esses indivíduos eram forçados a trabalhar em condições desumanas, sustentando o estilo de vida luxuoso do político e sua família.
O cemitério foi identificado em uma área isolada da fazenda, a aproximadamente 305 metros da casa principal. A posição das sepulturas foi determinada com base em dados históricos e imagens aéreas, complementados por um relatório datado de 1935. A preservação do local ao longo dos anos permitiu que os pesquisadores realizassem um trabalho detalhado sem perturbar os restos mortais.
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Tecnologia como aliada na arqueologia
A descoberta só foi possível devido aos avanços tecnológicos recentes. Com o uso do radar de penetração no solo, os especialistas conseguiram mapear depressões no terreno que indicavam a presença das sepulturas. Essa abordagem não invasiva é considerada um marco no estudo de cemitérios não marcados e pode ser aplicada em outras áreas históricas para localizar túmulos esquecidos.
Além disso, o trabalho envolveu a limpeza de uma área de dois hectares na fazenda para remover plantas invasoras e facilitar a análise do solo. A equipe encontrou fileiras organizadas de depressões que confirmaram a existência do cemitério. Segundo Tony Guzzi, chefe de preservação da Fundação Andrew Jackson, “nada jamais foi construído no local do cemitério”, o que ajudou na conservação dos vestígios históricos.
Os pesquisadores agora planejam expandir as investigações para identificar outros possíveis locais de sepultamento na propriedade. A ideia é usar as informações obtidas para criar um registro detalhado das condições e histórias das pessoas escravizadas na Hermitage.
Impacto histórico e educacional
A descoberta do cemitério na fazenda Hermitage tem implicações profundas para a compreensão da história dos Estados Unidos. Segundo Carlina de la Cova, bioarqueóloga da Universidade da Carolina do Sul, “localizar os restos mortais desses indivíduos é um forte lembrete do que essa paisagem era e do que ela representava”. O local simboliza o sofrimento das pessoas escravizadas e destaca o papel central da escravidão na economia americana durante os séculos XVIII e XIX.
A Fundação Andrew Jackson planeja transformar o cemitério em um marco educacional para preservar a memória das vítimas da escravidão. Um comitê consultivo será formado com historiadores e descendentes das pessoas escravizadas para decidir como apresentar o local ao público. Essa iniciativa busca promover uma reflexão crítica sobre o passado e garantir que essas histórias não sejam esquecidas.
Além disso, o projeto pretende incluir informações detalhadas sobre as condições enfrentadas pelos indivíduos escravizados na Hermitage. Isso inclui dados sobre suas origens, trabalhos realizados e as injustiças sofridas sob o sistema escravista liderado por figuras como Andrew Jackson.
Preservação da memória histórica
A descoberta do cemitério reforça a importância da preservação histórica como ferramenta para entender as complexidades do passado. Ao trazer à tona histórias ocultas pela narrativa tradicional, iniciativas como essa ajudam a construir uma visão mais completa e inclusiva da história americana.
O caso também destaca como avanços tecnológicos podem transformar a arqueologia e permitir descobertas significativas sem causar danos aos locais históricos. A abordagem usada na Hermitage pode servir como modelo para outros projetos arqueológicos em áreas relacionadas à escravidão ou outras formas de opressão histórica.
No entanto, preservar esses locais vai além da tecnologia: exige um compromisso contínuo com a educação pública e o respeito às memórias das vítimas. Transformar o cemitério em um espaço educacional é um passo crucial nesse processo, garantindo que as gerações futuras possam aprender com os erros do passado.
Fonte: Revista Galileu.