
A história da pandemia que matou metade da Europa
A doença que dizimou continentes e mudou o mundo para sempre.
Você já ouviu falar da Peste Negra, a pandemia que devastou o mundo no século XIV, não é mesmo? Ela é lembrada como o evento mais letal da história da humanidade, ceifando a vida de milhões de pessoas de forma assustadora. Mas o que realmente causou essa catástrofe e como ela conseguiu se espalhar com uma velocidade tão impressionante?
Imagine um mundo onde uma doença misteriosa aparece e, em pouco tempo, redesenha o mapa populacional do planeta. A Peste Negra foi exatamente isso, um contágio avassalador que deixou um rastro de destruição na Europa e na Ásia. As consequências foram tão profundas que alteraram a sociedade, a economia e a cultura para sempre.
Conhecida também como peste bubônica, essa doença terrível deixou marcas que ecoam até hoje. Vamos embarcar numa jornada para entender a origem dessa praga, como ela foi transmitida e o impacto que teve na vida de quem a enfrentou. Prepare-se para conhecer a história por trás da maior assassina da Idade Média.
O que foi a Peste Negra, afinal?

A Peste Negra é considerada a pandemia mais devastadora já registrada na história da humanidade. Ela marcou o início de um período sombrio conhecido como a Segunda Pandemia, uma série de surtos que aterrorizaram o mundo do século XIV até o início do século XIX. A doença, também chamada de peste bubônica, foi causada por uma bactéria traiçoeira chamada Yersinia pestis.
Essa não foi a primeira vez que a praga mostrou seu poder, mas essa segunda onda foi excepcionalmente virulenta. O mundo da época, sem o conhecimento científico que temos hoje, não tinha a menor ideia do que estava enfrentando. A doença parecia uma força da natureza imparável, um castigo divino para o qual não havia defesa.
A bactéria Yersinia pestis é um microrganismo incrivelmente eficiente em se espalhar e causar estragos. Uma vez que infectava uma comunidade, sua disseminação era quase garantida, levando pânico e morte por onde passava. Entender esse agente biológico é o primeiro passo para desvendar o mistério dessa pandemia.
Os minúsculos vetores da morte

Acredite se quiser, mas os grandes vilões por trás da rápida disseminação da bactéria foram parasitas minúsculos que viviam nos humanos. Um estudo recente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS) aponta que piolhos e pulgas foram os principais responsáveis. Esses pequenos insetos, ao se alimentarem do sangue de uma pessoa infectada, tornavam-se portadores da morte.
Imagine as condições de higiene da Idade Média, onde a convivência com esses parasitas era algo comum. Bastava um aperto de mão ou a proximidade em um mercado lotado para que uma pulga infectada saltasse para uma nova vítima. Assim, a doença se espalhava de pessoa para pessoa em uma velocidade alarmante, sem que ninguém entendesse como.
Essa teoria ajuda a explicar por que a Peste Negra avançou tão rapidamente dentro das cidades e vilarejos. A transmissão não dependia apenas dos ratos, mas acontecia diretamente no contato humano por meio desses ectoparasitas. Era uma fórmula perfeita para uma catástrofe de proporções épicas.
Ratos: Os passageiros da praga

Apesar da nova teoria sobre piolhos e pulgas, não podemos simplesmente absolver os ratos-pretos. Por muito tempo, eles foram vistos como os principais vilões, e o relatório da PNAS apenas adiciona uma nova camada à história. A visão mais aceita hoje é que a pandemia foi transportada por pulgas que viviam nesses roedores.
Os ratos atuavam como os hospedeiros originais da doença, um reservatório vivo para a bactéria Yersinia pestis. Eles embarcavam clandestinamente em navios mercantes, viajando por rotas comerciais e levando a praga para novos territórios. Sem saber, os comerciantes estavam transportando a morte em seus porões.
Então, de onde exatamente surgiu essa praga devastadora que colocou o mundo de joelhos? A jornada da bactéria é uma história de viagens e contágio que começa em um canto distante da Ásia. É hora de seguir os rastros e descobrir o ponto de partida dessa tragédia global.
A jornada sombria da Peste Negra

Tudo indica que a Peste Negra nasceu no leste da Ásia, possivelmente surgindo na Mongólia por volta de 1346. De lá, a doença viajou junto com exércitos e comerciantes até fazer sua entrada triunfal e macabra na Crimeia em 1347. Foram os ratos a bordo de navios mercantes genoveses que cruzaram o Mar Negro e levaram a praga para a porta da Europa.
O Atlas Catalão de 1375, uma obra cartográfica impressionante, ilustra bem essa região crucial no mapa da pandemia. A chegada da doença à Crimeia foi o estopim de uma explosão que ninguém poderia prever. A partir daquele momento, o destino do continente europeu estava selado.
Os navios, que antes eram símbolos de prosperidade e comércio, transformaram-se em verdadeiros caixões flutuantes. As rotas que conectavam o Oriente ao Ocidente se tornaram as autoestradas da morte. A praga estava pronta para começar sua conquista sangrenta da Europa.
O surto inicial e a explosão do contágio

Partindo da Crimeia, diversos navios seguiram para diferentes portos europeus, cada um carregando a semente da destruição. Um desses navios chegou a Constantinopla, a grande capital do Império Bizantino, onde a doença explodiu. Em pouco tempo, mais de 90% da população da cidade sucumbiu de forma terrível à peste.
A velocidade com que a população foi dizimada reforça a ideia de que a transmissão era feita por parasitas humanos. Uma vez que a praga pisou em terra firme, pulgas e piolhos rapidamente se encarregaram de espalhá-la. Bastava morder uma pessoa infectada para que o inseto pudesse saltar para um vizinho e continuar o ciclo mortal.
A doença não esperava por ninguém e não fazia distinção entre ricos e pobres. O caos se instalou nas cidades, com pessoas morrendo nas ruas e famílias inteiras sendo aniquiladas em questão de dias. A Europa estava prestes a mergulhar em seu capítulo mais sombrio.
A praga devasta a Itália

No final de 1347, outro navio amaldiçoado atracou na Sicília, com sua tripulação já agonizando. A doença não perdeu tempo e se alastrou por toda a ilha como um incêndio. Os moradores, em pânico, tentaram fugir para o continente, mas acabaram levando a praga consigo.
Ao chegar à Itália continental, a Peste Negra encontrou um terreno fértil para se multiplicar. Até o verão seguinte, um terço da população do país já havia morrido de forma agonizante. Cidades vibrantes como Florença se transformaram em cenários de horror, com corpos sendo carregados dia e noite.
As cenas eram apocalípticas, com ruas repletas de doentes e mortos, enquanto os sobreviventes viviam aterrorizados. A Itália, um dos centros culturais e comerciais da Europa, estava de joelhos. E este era apenas o começo da marcha da morte pelo continente.
A Peste Negra chega à França

Os navios continuaram a ser os vetores involuntários do oceano, espalhando a desgraça. Em 1347, uma galera expulsa da Itália chegou a Marselha, um dos portos mais movimentados da França. As condições de superlotação do local foram o cenário perfeito para que a transmissão explodisse.
A partir de Marselha, a Peste Negra avançou de forma exponencial pelo território francês, onde permaneceu ativa até 1352. Apenas na capital, Paris, o número de mortos ultrapassou a marca de 80.000 pessoas. Isso representava cerca de um terço de toda a população da cidade na época.
A França, assim como a Itália, viu sua sociedade ser virada de cabeça para baixo. A vida cotidiana parou, o medo dominava e a morte era a única certeza. A pandemia estava demonstrando que nenhuma fronteira ou reino era capaz de detê-la.
O trágico surgimento do antissemitismo

Em meados de 1348, com a doença fora de controle, muitas pessoas começaram a procurar desesperadamente por culpados. Afinal, quem poderia ser o responsável por uma aflição tão terrível e implacável? Infelizmente, o medo e a ignorância deram origem a uma onda de ódio antissemita por toda a Europa.
As comunidades judaicas, que muitas vezes viviam isoladas, tornaram-se o alvo principal dessa fúria irracional. Na cidade de Provença, na França, dezenas de judeus foram brutalmente assassinados. Eles foram injustamente acusados de envenenar poços e propagar a doença de propósito.
Esse padrão horrível se repetiu em inúmeros outros lugares à medida que a pandemia ganhava força. Em vez de união, a crise gerou perseguição e violência. A busca por bodes expiatórios foi uma das consequências mais sombrias e vergonhosas da Peste Negra.
A Península Ibérica é infectada

A Peste Negra finalmente alcançou a Espanha no final do ano de 1348, trazendo consigo o mesmo rastro de devastação. Portugal também começou a registrar suas primeiras vítimas fatais na mesma época. A Península Ibérica inteira logo se viu mergulhada no mesmo pesadelo que o resto do continente.
As pessoas tentavam de tudo para se proteger, mas as medidas eram baseadas mais no medo do que no conhecimento. Queimar as roupas e os bens das pessoas que morriam era uma prática comum. Acreditava-se que isso poderia purificar o ambiente e impedir que a doença se espalhasse.
No entanto, essas ações eram insuficientes para deter um inimigo invisível e implacável. A praga continuou sua marcha, mostrando que não havia refúgio seguro. Toda a Europa estava sendo consumida pela doença.
O primeiro infectado na Inglaterra

Em junho de 1348, a Peste Negra continuou seu ataque macabro à humanidade, desta vez chegando à Inglaterra pela cidade portuária de Weymouth. A doença foi transportada por um navio vindo de Gasconha, no sudoeste da França. Era apenas uma questão de tempo até que o caos se instalasse.
Não demorou muito para que a praga chegasse à densamente povoada Londres. Em meados de 1349, o país inteiro já estava sob o domínio da doença. O impacto foi catastrófico, com estimativas sugerindo que mais de 60% de toda a população inglesa morreu.
A Inglaterra, uma nação poderosa e organizada, foi abalada até suas fundações. A estrutura social desmoronou, e o país enfrentou uma crise sem precedentes. A pandemia provou mais uma vez que era uma força capaz de derrubar reinos.
A praga visita o Sacro Império Romano

Saindo da Inglaterra, a praga não parou e continuou sua expansão em todas as direções. Ela seguiu para o norte, atingindo a Escócia, e também para o leste, cruzando o Mar do Norte. No início de 1349, a doença chegou ao Sacro Império Romano-Germânico, afetando regiões que hoje correspondem à Bélgica e aos Países Baixos.
O avanço era implacável, seguindo as rotas comerciais e os movimentos de pessoas. Cada nova cidade infectada se tornava um novo foco de disseminação. O coração da Europa estava sendo consumido pela pandemia.
As comunidades que ainda não haviam sido atingidas viviam sob uma tensão constante, ouvindo os relatos aterrorizantes que vinham de outras regiões. A chegada da Peste Negra era vista como uma sentença de morte inevitável. E, para muitos, realmente foi.
O Movimento dos Flagelantes

A completa falta de compreensão sobre as causas biológicas da doença levou ao surgimento de movimentos religiosos extremos, como o dos Flagelantes. Muitas pessoas estavam convencidas de que a Peste Negra era um castigo de Deus pela pecaminosidade da humanidade. A única solução, para eles, era a penitência pública e dolorosa.
Os membros do movimento eram fanáticos religiosos que marchavam de cidade em cidade, se chicoteando publicamente com açoites. Eles acreditavam que, ao infligir dor a si mesmos, poderiam aplacar a ira divina e clamar por misericórdia. Suas procissões eram espetáculos sombrios de fé e desespero.
Infelizmente, esses grupos também eram fortemente antissemitas e muitas vezes incitavam a violência contra as comunidades judaicas por onde passavam. Em vez de trazer alívio, o movimento dos Flagelantes frequentemente espalhava ainda mais ódio e medo. A imagem retrata uma dessas procissões na cidade holandesa de Tournai, em 1349.
Alemanha: A busca por culpados

Vinda da Suíça, a peste finalmente chegou ao sul da Alemanha em meados de 1349. Até o final daquele ano, grande parte do país já estava infectada e mergulhada no caos. A sociedade alemã, assim como outras nações europeias, reagiu com medo e violência.
Mais uma vez, a população em pânico procurou um alvo para culpar por seu sofrimento indescritível. E, novamente, o dedo foi apontado para as comunidades judaicas. As acusações infundadas de que eles estavam envenenando os poços se espalharam como fogo.
Essa paranoia coletiva deu início a uma série de massacres brutais. A história estava se repetindo de forma trágica. O sofrimento causado pela doença foi amplificado pelo ódio e pela perseguição.
Massacres em Colônia e Estrasburgo

A primeira grande perseguição contra os judeus em Colônia, na Alemanha, ocorreu em 1349. Acusados de serem os responsáveis pelo surto da peste, a punição foi rápida e terrível. Centenas de judeus foram aprisionados e cruelmente jogados em fogueiras para morrer.
Enquanto isso, um horror semelhante acontecia em Estrasburgo, na França. Cerca de 2.000 residentes judeus da cidade encontraram um destino igualmente trágico. Eles foram massacrados pela população enfurecida, que os culpava pela pandemia.
Esses eventos mostram a face mais sombria da natureza humana em tempos de crise. O medo transformou vizinhos em monstros. A Peste Negra não matou apenas com a doença, mas também com o ódio que ela gerou.
A Escandinávia sucumbe à praga

No mesmo ano de 1349, um navio inglês entregou um presente mortal à Noruega. A embarcação encalhou perto de Bergen, e com ela veio a bactéria Yersinia pestis. A tripulação inteira morreu rapidamente, mas não antes de infectar a população local.
A partir da Noruega, a praga viajou rapidamente para os países vizinhos, Dinamarca e Suécia. A Escandinávia, que até então estava relativamente isolada do surto principal, foi brutalmente atingida. A doença mostrou que podia cruzar qualquer mar e alcançar qualquer costa.
A chegada da Peste Negra ao norte da Europa completou o cerco ao continente. Poucos lugares permaneceram intocados. A pandemia estava demonstrando seu alcance verdadeiramente global para a época.
Mortes na Áustria e a contínua perseguição

A praga chegou a Viena, na Áustria, em maio de 1349, e seu impacto foi imediato e devastador. Ao final do ano, a doença já havia matado aproximadamente um terço da população da cidade. O cenário de horror se repetia, com ruas cheias de doentes e o som constante dos sinos funerários.
E, mais uma vez, a tragédia foi acompanhada de uma caça às bruxas. A população judaica foi novamente vista como a culpada pela pandemia, acusada de contaminar os poços de água. A paranoia e o ódio levaram a consequências brutais.
Centenas de judeus foram presos, submetidos a torturas desumanas e, por fim, assassinados. A história se repetia de forma cruel, mostrando como o medo pode levar a atos de extrema violência. A Áustria viveu seu próprio capítulo de horror dentro da grande pandemia.
A bactéria conquista toda a Europa

Por volta de 1349, a maior parte do continente europeu já havia sido infectada pela Peste Negra. No entanto, a bactéria mortal não parou por aí e continuou seu avanço implacável. Em 1350, ela atingiu várias regiões do Oriente Médio e do norte da África, expandindo ainda mais seu domínio.
A feroz Yersinia pestis conseguiu alcançar até mesmo Meca, a cidade mais sagrada para os muçulmanos. A doença foi levada até lá por peregrinos que realizavam o Haje, a tradicional peregrinação religiosa. Isso demonstra como nem mesmo a fé e a distância eram barreiras para o contágio.
A Peste Negra se tornou um fenômeno verdadeiramente intercontinental, conectando diferentes culturas e povos da maneira mais trágica possível. O mundo conhecido na época estava unido pelo sofrimento. A pandemia não tinha fronteiras.
Os terríveis sintomas da doença

No século XIV, ser infectado pela Yersinia pestis era praticamente uma sentença de morte, pois não havia nenhuma cura conhecida. O principal sintoma da peste bubônica era o aparecimento de glândulas linfáticas dolorosamente inchadas. Esses inchaços formavam furúnculos cheios de pus, conhecidos como bubões, que deram o nome à doença.
Os bubões podiam aparecer na virilha, nas axilas ou no pescoço e crescer até o tamanho de uma maçã. A dor era excruciante, mas era apenas o começo do pesadelo. Os doentes também sofriam de febre alta, calafrios e uma fadiga avassaladora.
A progressão da doença era rápida e assustadora, deixando as vítimas em um estado de agonia. Além dos bubões, a infecção causava dores de cabeça, tonturas e delírios. Era uma forma terrível e desumana de morrer.
O sofrimento de uma vítima da Peste Negra

À medida que a condição piorava, os sintomas se tornavam ainda mais aterrorizantes. Os doentes começavam a sofrer de hemorragias internas, expelindo escarro com sangue e sofrendo com vômitos constantes. O corpo entrava em colapso, e a mente era tomada pelo delírio.
Há mais de 700 anos, a dor e a angústia vividas por quem contraía a peste eram simplesmente insuportáveis. Não havia analgésicos ou tratamentos paliativos para aliviar o sofrimento. As pessoas morriam em agonia, muitas vezes abandonadas por suas próprias famílias, que temiam o contágio.
O sofrimento não era apenas físico, mas também psicológico. A certeza da morte iminente e a forma como a doença desfigurava o corpo causavam um terror profundo. Foi uma experiência que marcou a memória coletiva da humanidade para sempre.
O relato de uma testemunha ocular

O escritor e poeta italiano Giovanni Boccaccio, que viveu entre 1313 e 1375, deixou um relato gráfico dos sintomas da praga. Em seu diário, ele descreveu o surgimento dos “gavoccioli”, os bubões, na virilha ou nas axilas. Ele notou que alguns cresciam tanto quanto uma maçã comum, enquanto outros eram do tamanho de um ovo.
Boccaccio observou como, após o aparecimento dos bubões, a doença mudava de característica. Ele escreveu que os “gavoccioli mortais” se espalhavam por todas as partes do corpo de forma indiscriminada. Em seguida, surgiam manchas pretas ou azuladas nos braços, nas coxas e em todo o corpo.
Essas manchas, que eram sinais de hemorragia sob a pele, deram à doença seu nome mais famoso: a Peste Negra. Os relatos de testemunhas como Boccaccio são documentos preciosos. Eles nos ajudam a entender não apenas os sintomas, mas também o terror que as pessoas sentiam.
Tratamentos brutais e ineficazes

No século XIV, a medicina estava longe de ser uma ciência exata, e os médicos contavam com técnicas bastante brutais e insalubres. Para tratar as vítimas da praga, eles recorriam a métodos como a sangria e o corte dos bubões. Essas práticas, realizadas sem qualquer noção de higiene, muitas vezes aceleravam a morte do paciente.
Além dessas técnicas físicas, eles também empregavam práticas baseadas na superstição. Queimar ervas aromáticas para purificar o ar era algo comum. Tomar banho em água de rosas ou vinagre também era recomendado, numa tentativa desesperada de aliviar o sofrimento.
Nenhum desses “tratamentos” tinha qualquer efeito real contra a bactéria. Eles apenas refletiam o desespero de uma sociedade que enfrentava um inimigo que não conseguia compreender. A medicina da época era completamente impotente diante da magnitude da pandemia.
Orações como último recurso

Na maioria das vezes, a única opção que restava para os doentes e suas famílias era rezar. Diante da falha da medicina e da inevitabilidade da morte, as pessoas se voltavam para a fé em busca de alívio ou de uma passagem pacífica. As igrejas ficavam lotadas de pessoas implorando por um milagre.
A parte mais triste e cruel da história é que a doença era extremamente letal. Cerca de 80% de todas as pessoas que contraíam a peste bubônica estavam mortas em apenas oito dias. A esperança era um luxo que poucos podiam ter.
A impotência diante da doença reforçou a crença de que a praga era uma punição divina. Para muitos, a única resposta possível era a devoção religiosa. A fé se tornou o último refúgio em um mundo que desmoronava.
O desafio de enterrar os mortos

Enterrar os mortos tornou-se uma tarefa monumental, cruel e extremamente perigosa. O medo do contágio era tão grande que muitas vítimas eram abandonadas em suas próprias casas. Os corpos se acumulavam mais rápido do que podiam ser enterrados.
Para lidar com a quantidade avassaladora de cadáveres, as cidades criaram valas comuns, que ficaram conhecidas como “poços da peste”. A maioria das vítimas era enterrada nesses locais sem qualquer identificação ou cerimônia religiosa. Era um fim indigno para uma vida ceifada de forma tão brutal.
Centenas de homens, mulheres e crianças eram empilhados juntos nessas covas. As famílias eram separadas na morte, e o luto tradicional se tornou impossível. O simples ato de dar um enterro digno a um ente querido virou um luxo raro e perigoso.
O número final de mortos e o legado de ódio

Em 1351, a propagação da peste finalmente começou a diminuir de forma significativa. Por volta de 1353, o pior da Peste Negra havia passado, mas as cicatrizes permaneceriam para sempre. O número final de mortos é incerto, mas as estimativas mais aceitas sugerem que o surto tirou mais de 200 milhões de vidas em todo o mundo.
Apenas no continente europeu, o número de mortos ficou entre 25 e 50 milhões de pessoas. A pandemia também deixou um legado de ódio, levando ao massacre de 210 comunidades judaicas. No total, a Europa medieval perdeu cerca de 50% de toda a sua população em poucos anos.
A escala da mortalidade é quase inimaginável e transformou a sociedade de maneiras profundas. A Peste Negra não foi apenas uma crise de saúde, foi um evento que redefiniu a história. O mundo que emergiu das cinzas da pandemia nunca mais seria o mesmo.
As inesperadas consequências sociais

No rastro da pandemia, a Europa e o mundo inteiro passaram por uma mudança social drástica e profunda. A Europa Ocidental só conseguiu recuperar o número de habitantes que tinha antes de 1348 no início do século XVI. A recuperação demográfica foi um processo lento e doloroso que levou gerações.
Ironicamente, para alguns dos sobreviventes, a peste pode ter tido um efeito “favorável” a longo prazo. Com a força de trabalho completamente dizimada, a mão de obra se tornou um recurso escasso e valioso. De repente, os trabalhadores tinham um novo poder de negociação que nunca tiveram antes.
Como resultado direto, os salários começaram a subir em resposta à escassez de pessoas aptas para o trabalho. Isso abalou a antiga estrutura feudal e deu aos camponeses e artesãos uma mobilidade social sem precedentes. A pandemia, de forma trágica, acabou acelerando o fim da Idade Média.
O fervor religioso que se manteve

O fervor religioso e o fanatismo que tomaram conta do continente durante e após a pandemia não trouxeram nada de bom. Para explicar as razões por trás da Peste Negra, muitas pessoas continuaram a atribuir a doença a forças sobrenaturais. Conspirações maliciosas e explicações místicas eram mais fáceis de aceitar do que a terrível realidade.
Essas fantasias e medos persistiram por muito tempo, alimentando a perseguição e a desconfiança. A ciência ainda não tinha as respostas, então o sobrenatural preenchia as lacunas do conhecimento. A mentalidade das pessoas foi profundamente moldada pelo trauma coletivo.
Levaria séculos até que os avanços na ciência e na medicina finalmente revelassem a verdadeira causa por trás da devastadora pandemia. Só então a humanidade começaria a entender a natureza das doenças infecciosas. Mas as cicatrizes culturais e religiosas da Peste Negra permaneceram.
Desenterrando o passado sombrio

Quase 700 anos após seu surgimento, as consequências da Peste Negra ainda reverberam de maneiras surpreendentes. A arqueologia moderna continua a encontrar vestígios físicos daquela época sombria. Por exemplo, escavações realizadas em East Smithfield, Londres, em 2010, fizeram uma descoberta impressionante.
Os arqueólogos encontraram uma trincheira funerária cheia de vítimas da praga. Os corpos estavam enterrados sob as fundações de concreto da Casa da Moeda Real. A descoberta foi um lembrete físico e chocante da escala da mortalidade na cidade.
Essas descobertas nos conectam diretamente com as pessoas que viveram e morreram durante a pandemia. Cada esqueleto encontrado conta uma história de sofrimento e perda. O passado, por mais distante que pareça, está literalmente sob nossos pés.
Um vislumbre de dignidade na morte

Durante essa mesma escavação em Londres, os arqueólogos descobriram outra cova comunitária em um local diferente. No entanto, este local contava uma história um pouco diferente e mais comovente. As vítimas aqui não foram simplesmente jogadas em um poço.
Em vez de serem depositados em massa, esses corpos foram cuidadosamente colocados lado a lado. A organização dos enterros demonstrou uma tentativa clara de manter o padrão normal e a dignidade. Foi um ato de humanidade em meio ao caos absoluto.
Isso nos mostra que, mesmo enfrentando o horror indescritível, algumas pessoas se esforçaram para honrar seus mortos. Esses enterros cuidadosos são um testemunho da resiliência do espírito humano. Eles revelam um desejo de manter a ordem e o respeito mesmo quando o mundo estava desmoronando.
Pagando um último preço

A arqueologia também conseguiu desenterrar artefatos pessoais que nos conectam ainda mais com as vítimas. Um punhado de moedas, datadas entre 1344 e 1351, foi descoberto em um dos túmulos. Elas estavam ao lado dos restos mortais de uma mulher que deveria ter entre 26 e 35 anos.
Essa mulher foi enterrada no cemitério da Peste Negra em East Smithfield. A presença das moedas sugere que elas podem ter sido um pagamento pelo enterro. Era um costume da época, uma forma de garantir um funeral minimamente decente.
Este pequeno achado nos dá um vislumbre da vida e das preocupações das pessoas comuns. Mesmo diante da morte, a necessidade de um ritual digno persistia. Foi um pequeno preço a se pagar por um último ato de respeito em um mundo consumido pela praga.